São cegos curáveis, claro, com retinas disfuncionais e córneas destruídas.
São cegos com esperança. A pior espécie de cegos que há.
Andam de lá para cá, no labirinto da
clínica,
Com pensos nos olhos, com peso nos
ombros,
Com as pupilas dilatadas e com a alma
encolhida;
Esperam, cabisbaixos; esperam,
vulneráveis; esperam, religiosos;
Pelo exame, pela consulta, pela gloriosa e
redentora faca hi-tec do Travassos.
O Travassos não faz milagres, mas cura
para cima de cem cegos por dia;
Os curáveis, claro, porque os cegos que
são mesmo cegos são corridos com desprezo.
(Enquanto o Travassos perde tempo com os
cegos incuráveis
Não pode curar os cegos curáveis à razão
de três mil por mês).
O Travassos não gosta de se explicar aos
cegos.
Nem aos curáveis nem aos incuráveis.
Nem aos curáveis nem aos incuráveis.
Ele faz o que faz, os cegos curáveis
passam a ver
E os cegos incuráveis continuam invisuais
E os cegos incuráveis continuam invisuais
E é assim.
Como o Travassos é, na verdade, um bruto, as enfermeiras sentem a responsabilidade
De ser tão simpáticas, tão prestáveis, tão
piedosas,
que tratam os cegos curáveis como se
fossem cegos incuráveis,
O que causa alguma confusão aos que não
são cegos
- Aos que estão lá só para fazer companhia
aos cegos -
Porque assim é impossível distinguir
Os cegos com esperança dos cegos
desenganados.
Ao Travassos raramente lhe falha a faca:
É um homem com uma missão.
Já aos cegos, falha a coragem:
são como
crianças sem pernas,
Que se arrastam de lá para cá,
aflitos,
nos corredores do Centro Cirúrgico de
Coimbra.