POR ARTUR PAIXÃO
Pergaminho amarelado, de cantos que a rataria teria mordiscado, entre outros
manuscritos embrulhados num laço cor-de-rosa desmaiado, conspurcados pela traça e humidade de muitos Invernos.
Permita-me, condessa, usar formalismos menos de acordo com a justeza da
vossa nobre condição, omitindo títulos que possuis muito honrosa e justamente.
Cinquenta anos após o meu afortunado encontro com vossa senhoria nos jardins do Palácio Real,
sob a bendita sombra dos plátanos, muito mudou nas gentes e nos costumes,
envolvidos agora na incivilidade de novas ideias e hediondas maneiras,
abjectas. Sou hoje um lamentável produto da chamada evolução, já sem as
delicadas cortesias com que vos secava as lágrimas que haveis vertido por entre
o perfume vosso e do roseiral e que vos podiam ter valido o cepo.
Não poderias amar-me, bem sei, cruelmente arrastado dos vossos gentis
braços pela minha condição de moço de estrebaria, e vós entregue ao vosso conde,
afraldado em berço de ouro, peça da corte e do Rei, tolhida pelos garrotes da
política e de outras conveniências.
Ficou, porém, o nosso amor por mercê de Deus selado na morna
doçura do palheiro e essa foi a única benção que me foi dada em vida. Recordo-vos agora, assalariado municipal, aboletado numa mísera
arrecadação de Paris, escanzelado, famélico, subsistindo da memória desses
dias em que jazia mimado entre o peito da minha adorável condensa.
Recordais-me?
É assim que me dobro a vossos pés, idolatrando-os, ousando suplicar-vos
que me remeteis, sem descontentamento, antes como um gasto reflexo dessa paixão
maior, alguns francos, de preferência, se possível, em cheque de dólares, que
me permita sonhar com um brioche de antes de ontem e uma garrafita de absinto,
que me reforce a recordação dos vossos braços e evoque o quente conforto dos
vossos seios.
Apaixonadamente;
Pierre du Latan