quinta-feira, janeiro 18, 2007

O Condensado de Bose-Einstein ou os deuses devem estar loucos.

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Por mil voltas que dê na net, ainda não consegui dominar como deve ser esta coisa absolutamente inclassificável dos Condensados de Bose-Einstein (muito provavelmente porque não percebo um boi de física), mas tenho que escrever sobre isto antes que rebente de ansiedade, porque o assunto é lindo. Seja como for, rogo aos ilustres matemáticos e físicos que de vez em quando têm a paciência de ler os deveras imprecisos posts deste blog, que façam o favor de me corrigir. Obrigado.


Estudos de Einstein sobre a mecânica estatística dos fotões e o abrandamento dos átomos por arrefecimento. Manuscritos encontrados em 2005 numa biblioteca da Universidade de Leiden.


Na segunda vintena do século XX, Einstein interessou-se imenso pelo trabalho do senhor Satyendra Nath Bose, que se dedicava a estudar a mecânica estatística dos fotões e o abrandamento dos átomos por meio de arrefecimento. Com base nestes cálculos, Einstein especulou que, se conseguíssemos arrefecer os átomos bosónicos até temperaturas muito baixas estes entrariam em colapso, ao ponto de atingirem o mais baixo estado quântico possível, do que resultaria uma nova forma de matéria.


A conversa, convenhamos, era de tom alquímico o bastante para ficar por ali sossegada, no pântano especulativo que divide a física da metafísica (mais ou menos como a questão da fissão a frio, mas ao contrário).
Ora, acontece que, setenta anos mais tarde, Eric Cornell, Carl Wieman e Wolfgang Ketterle (tudo gente Nobel) conseguiram levar a teoria doida do mago Albert à prática. Utilizando uma técnica maluca de arrefecimento a laser (!), estes senhores lá arranjaram maneira de baixar a temperatura de um sistema quântico a níveis completamente insanos. Gelada a este ponto, é claro que a matéria entrou em delirius tremens para se transformar em algo de muito estranho. E assim, podemos dizer que, na última década do século XX, a ciência humana descobriu um novo género de Coisa. Porque é verdade.


O Condensado de Bose-Einstein é uma fase da matéria formada por bosões (partículas de spin inteiro) sujeitos a uma temperatura muito próxima do zero absoluto (para além dos -460º). Nestas condições, registam-se algumas excentricidades como a fluidez espontânea* e a tendência que uma grande fracção de átomos exibe para atingir o mais baixo estado quântico, fenómeno quase religioso que nos permite observar os efeitos quânticos à escala macroscópica (!).
Mas há mais magia negra nisto: como os bosões têm um spin inteiro, não estão sujeitos ao Princípio da Exclusão de Pauli**, e assim sendo dá-se o seguinte milagre: as partículas trocam de identidade, fundem-se umas nas outras, ocupam as mesmas posições em simultâneo ou estão em vários lugares ao mesmo tempo. Nesta dimensão bizarra das coisas, o dom da ubiquidade é de rotina, a invisibilidade uma brincadeira de crianças e o conceito de individualidade não faz qualquer sentido: as partículas deixam simplesmente de ser singulares e formam de facto um todo de possibilidades interactuantes. É uma verdadeira loucura.


As cores artificiais representam o número de átomos em cada velocidade, indicando o vermelho menos átomos e o branco mais átomos. As áreas a branco e azul claro são velocidades menores. Esquerda: Logo antes do aparecimento do condensado de Bose-Einstein. Centro: No instante do aparecimento do condensado. Direita: após a rápida evaporação, deixando amostras puras do condensado. O pico não é infinitamente estreito devido ao Princípio da Incerteza de Heisenberg***


Ora, não deixa de ser estranho que Einstein, um feroz inimigo de todas as ideias que pudessem levar a ciência pelo perigoso caminho da incerteza, tenha mais uma vez acertado na mouche contra sua vontade. Creio que intuía talvez a possibilidade (muito do seu agrado) de trazer o campo quântico para o laboratório da macrofísica, mas tenho dúvidas. Porque se é verdade que os seus cálculos percebiam bem que algo de substancialmente novo podia surgir do bosão, o sábio estava provavelmente a milhas de antecipar a confusão em que se estava a meter. Caso contrário teria rapidamente lançado os preciosos manuscritos para a fogueira do seu descontentamento: que aborrecimento, que chatice, que nada, isto de não saber tudo.


* Se um sistema está a uma temperatura tão baixa que esteja no seu estado energético mínimo, não é possível reduzir a sua energia, nem sequer por atrito.

** Princípio da Mecânica quântica formulado em 1925 que estipula que duas partículas de spin semi-inteiro (tais como o electrão, o protão e o neutrão) não podem ocupar o mesmo estado quântico simultaneamente.

*** Quando um átomo é retido numa região específica do espaço a sua distribuição de velocidade possui necessariamente uma certa largura mínima.

Fontes:
Wikipedia
Instituto Lorentz da Universidade de Leiden
Universidade Estadual Paulista
BEC Homepage
""What the bleep do we know?""