"All that is human must retrograde if it does not advance."
Edward Gibbon
I - Atrás de mim está a CNN com o matraquear da evidência. Barak Obama é o novo líder do mundo livre. É claro que McCain não perde as eleições por causa da guerra no Iraque (nenhum dos doze Césares perdeu a plebe - ou a vida - por causa do sangue nas fronteiras) mas por vingança do estado económico a que as coisas chegaram. A ironia é violenta. O estado económico a que as coisas chegaram não tem nada de republicano: qualquer pessoa que perceba alguma coisa do que é ser republicano na América sabe que a ideia de "democratizar" a propriedade das empresas, despojando-as de um dono em favor de um colégio de accionistas, é repugnante. Ora se chegámos a este estado económico das coisas foi precisamente porque um colégio de accionistas, que segue a proverbial voracidade selvagem de qualquer grupo de pessoas, objectiva disfuncionalmente o interesse individual, ou seja: exclusivamente o lucro. Não são os gestores que, em última análise, temos de levar ao tribunal da decadente ética ocidental. Estes cumpriram apenas com o que aqueles exigiam e ninguém consegue julgar tanta gente capitalista que é só culpada de ser gente e de querer o que todos queremos e o que todos queremos é mais dinheiro.
II - A actual crise financeira tem origem na falta de liquidez dos mercados ocidentais. Digo por outras palavras: a geografia do dinheiro sofreu e está a sofrer uma alteração nas coordenadas. A massa já não está em Nova Iorque, Londres ou Frankfurt. A massa está em Shangai, Nova Deli, Riade, Dubai, Luanda, S. Paulo, Caracas, Moscovo e outros desaconselháveis buracos da Terra. A responsabilidade desta desgraça cabe em grande parte à forma irresponsável como os estados ocidentais têm encarado a questão energética, deixando-se tomar como reféns por tribos civilizacionalmente antípodas, mas acima de tudo deriva desta ilusão de que todos os povos da planeta podem prosperar como os mais prósperos. Infelizmente, ou nem tanto assim, o dinheiro é como o cobertor da rábula popular. Se estica para um lado, destapa no outro. E a prosperidade como a temos, não chega para todos. E se chegar para os outros, vai faltar para cumprir com o plano de pagamentos do nosso crédito à habitação. É, na verdade, muito simples.
III - Pode ser um banana albino, um charme de menino ou um preto aristocrata, pode ser um gajo numa cadeira de rodas ou o tipo que primeiro carrega no botão nuclear: no que diz respeito ao grande chefe índio da nação americana, desde que seja democrata a Europa gosta dele. Este facto é espantoso porque todas - mas todas - as evidências históricas recomendam para o continente velho, um presidente republicano no novo. A sério que chega a ser de gargalhada. A esquerda europeia (ou seja, a esmagadora maioria dos europeus) deposita todas as balsâmicas esperanças do mundo no Partido Democrata Americano, que, na verdade, está para a Europa como uma brigada de bombeiros irresponsáveis e incapazes está para um incêndio: ou aparecem para atear o fogo ou chegam demasiado tarde para o apagar. Ora, deitemos um olhar sobre os 6 últimos presidentes democratas dos Estados Unidos da América, numa prosaica viagem de 8 décadas:
F. D. Roosevelt - Este carismático "all-of-famer" só concedeu meter-se ao barulho da Segunda Guerra Mundial depois dos Nazis terem tomado por força das armas a Polónia, a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Noruega, a França e por sujeição de cobardes, a Itália, a Grécia e toda a Europa oriental. E mesmo assim foi necessária a ignição de uma das mais bem sucedidas, espectaculares e competentes ofensivas da história militar. Não fosse a loucura inspirada da marinha nipónica e os americanos do democrata F. Delano R. chegariam ao outro lado do oceano apenas a tempo de negociar o resgate de alguns judeus famosos e assinar um pacto de paz Atlântica. Com Adolf Hitler.
H. S. Truman - Este sujeito é mesmo um ídolo da esquerda bem pensante e um guardião dos mais altos interesses sociais e pacifistas da Europa. Deuses! Nos seus dois mandatos, Truman teve tempo para inaugurar a era nuclear, o Plano Marshall (segundo os revisionismos históricos da esquerda contemporânea, foi por aqui que o lamentável liberalismo triunfou sobre a Europa), a caça às bruxas e uma guerra nova, na Coreia. Isto para além de ter entregue (em cumplicidade com o seu antecessor) a Europa de leste a Estaline. Um currículo invejável, mesmo se o compararmos a Bush filho.
J. F. Kennedy - Provavelmente o maior mito político da atribulada e sanguinolenta história do Século XX, este bonitinho veio a Berlim dizer que era um berlinense e assim foi acreditado para toda a história universal da infâmia. Descendente e herdeiro de uma linhagem mafiosa no sentido WASP da palavra, Kennedy ia levando o mundo todo com ele para o abismo terminal por duas vezes e pelas duas vezes por causa de Cuba, o que é uma absoluta imbecilidade (é como o Filipe que perde duas vezes em casa contra a Grécia no mesmo Campeonato da Europa). Mais a mais, para salvar a face da crise dos mísseis, comprometeu completamente o equilíbrio estratégico da guerra fria na Europa, retirando as capacidades nucleares na Turquia, como secreta e cobarde moeda de troca para o regresso dos sovietes à soviética ignomínia. Assim sendo, e reduzindo esta paixão guterrista por Berlim ao valor da oratória de casa de banho, gostava que me dissessem porque raio é que ele é tão amado deste lado do mar. É certo que combateu certos vícios sulistas e que traiu a máfia no sentido siciliano da palavra (mais por insolência do irmão), mas o que é que isso tem a ver connosco? Os sicilianos não chateiam para além da recolha do lixo em Nápoles e de dois ou três juízes italianos que agora descansam em paz. E imaginem só como funcionariam hoje, apesar do exemplo de Kennedy, as sociedades europeias se fossem multi-étnicas como a América dos anos 60 era multi-étnica. Ich bin ein berliner. Famous empty words.
L. B. Johnson - Sobre este rapaz, personagem infame da história da América, nem preciso de dizer nada. Gostava só de o ressuscitar para fazer dele companhia única de Francisco Louçã, num quarto minúsculo com vista para a eternidade. Ou melhor ainda, de Joana Pais do Amaral. Boa ideia?
- Um parêntesis cronológico e republicano Quem entretanto acaba por acabar com a vergonha do Vietname não é nenhum democrata, não é nenhum Kennedy, é um republicano de gema e chifrudo chamado Nixon. É só rir.
J. E. Carter - Se há personagem do Partido Democrata que mais defendeu como Presidente a democrata doutrina de que os EUA devem apenas interferir militarmente no palco internacional por motivos de segurança interna (como se isso fosse próprio de uma primeira potência mundial), esse personagem infeliz é Jimmy. O resultado foi a desgraça dos reféns em Teerão e o bem dito triunfo do sindicato dos actores de Hollywood, que acabou por resolver montes de coisas e mudar o curso da história e libertar metade da Europa, mas como o Ronald era um bom e velho republicano caiu logo em desgraça nas praias de Cannes.
W. J. Clinton - Sobre este simpático de Arkansas basta-me escrever uma palavrinha horrivelmente mágica: Balcãs. Quem critica a hoje falecida administração americana por causa da idiotice do Kosovo, devia revisitar a história dos anos 90. Sem que a ONU fosse tida ou achada, a administração democrata meteu os pés pelas mãos numa caminhada macaca sobre os cadáveres de centenas de milhar de pessoas, grande parte mortas pelos tapetes de bombas nada cirúrgicas da força aérea americana. Grande Bill, provedor da dignidade humana, presumível vencedor do prémio nobel da paz, espécie de terapia de mau divã através do qual os europeus pensam que aliviam os males de consciência pesada que julgam ter.
IV - As forças aliadas em presença no Iraque integram 21 nações. Mas pelos vistos, Barak Obama já convenceu a Albânia, a Arménia, a Austrália, o Azerbeijão, a Bosnia-Herzegovina, a Bulgária, a República Checa, a Dinamarca, o El Salvador, a Estónia, a Geórgia, o Cazaquistão, a Letónia, a Lituânia, a Macedónia, a Moldávia, a Mongólia, a Polónia, a Roménia, a Coreia do Sul e o Reino Unido a abandonar o Iraque nos próximos seis meses. Nada mau para um senador, diria Caio Suetónio. Aldrabice eleitoral, digo eu. A ver vamos.
V - Que o império está em decadência, já se tinha percebido. Que se prepara para cair, estamos agora a verificar. Para se provarem as leis de Gibbon, só falta agora uma malária grande em Nova Iorque. Mas o problema não é bem o império que cai a oeste. O problema é o que se levanta a Este. Na Europa a malta parece dar de barato que prefere Bollywood a Hollywood. E é isso que nos vai sair caríssimo.