quarta-feira, novembro 12, 2008

De flores carnívoras e amores imaginários.

I
Recolhes-te no jardim perdido, Eva, demoras-te na varanda do paraíso à espera do pecado de que Deus fez prosa. Escondes-te nos bastidores do teatro proibido, Julieta, negas ao mundo a tua luz enquanto aguardas pela implosão do drama. E quando sais por fim desse eclipse de astro negro, Ofélia, já o teu poeta encantado jaz derrubado pelo dragão das asas em verso.

II
Começa por crescer em ti um pudor sobrenatural:
queres sair na próxima paragem, parar o mundo ou mudar de canal.
Depois, é a tua inteligência que desconfia:
Fazes da dúvida a dialéctica, adubas a flor da filosofia.
Com o tempo, acabas por ceder ao medo e ao fado:
entregas-te com devoção a um budismo do teu agrado.

III
Dou-te o meu corpo. Leva-o. É o troféu que mereces: leva-o. Leva este corpo exorcista para longe de mim e fiquem lá os dois. Entretidos. Sumam-se e consumam-se nesse inferno de utopias. Dediquem-se ao combate primordial pelo direito ao êxtase. Mas uma vez saciados, não corram de volta à loja. Não acredito na propriedade privada nem aceito devoluções. Prefiro-me sem o escalpe biológico: virgem outra vez. Outra vez inocente.

IV
Para além do umbigo, Cleópatra só desvendou a sua beleza grega perante imperadores romanos. Madalena, mesmo apedrejada, não desnudou o seio e Joana d’Arc nunca mostrou o cú ao inimigo. A Rainha Isabel andou a vida toda com um fecho éclair até ao pescoço (que não a favorecia nada) e Catarina a Grande vestia demasiadas saias para se poder despir convenientemente. Não é por acaso que até a lua, essa velha meretriz, tem um lado escondido. Exibicionistas são as flores. Por isso acalma-te e apaga a luz.

V
Há uma geometria oculta, há uma mecânica quântica, há um Princípio da Incerteza no teu útero de planta carnívora. Há um logaritmo de possibilidades na tua estranha gravidez de equações. Contestas o caos com uma conjectura de números.

VI
Nem a cólera de Aquiles,
nem a astúcia de Ulisses
macularam o teu crescente fértil.
És o jardim das delícias, a ilha dos amores;
és terra santa e colo sagrado.
Vais um dia subir a deusa. E grega.

VII
Espanta-me a tua metafísica de nenúfar. O teu ponto G é um lago Zen, feito perfeito antes mesmo da Criação. O sorriso de Buda abre-se sobre o teu pântano de lilazes e de lótus: deixas de acreditar no tempo e és enfim imortal sobre a decadência celular do cosmos.