O nazi que se abandona enternecido
ao fantasismo de Bach
depois de ter fechado duzentos judeus
no esterco ensanguentado da vala comum,
não me espanta.
O que me espanta, é isto espantar tanta gente.
Uma nação que se une à volta de um logótipo equívoco
e de um louco furioso,
uma nação zangada com o mundo e consciente do mal
que fabrica às carradas como quem fabrica volkswagens,
não me admira.
O que me admira, é acontecer só de vez em quando.
A humanidade é um produto topo de gama da indústria do diabo,
espécie de bactéria projectada para infestar um universo sem deus.
E porque a estética não é uma ética,
é tão natural para o hauptsturmfuhrer
encontrar a consolação nos Concertos de Brandenburgo
como Bach aceitar o cargo de kapellmeister do inferno.
O oficial cínico e laborioso de Jonathan Littell
que foi para a cama com a irmã e leva no cú da soldadesca,
que mata a mãe como quem termina um cigano
e que faz contas de engenheiro e que se dá a trabalhos de arquitecto,
para saber quantos ciganos é que se conseguem terminar por dia,
não me choca nada. É só mais um ponto no desenho do mundo.