A Rua de São Lázaro quer ser Mártir da Pátria.
Custa-lhe horrores fugir do Martim Moniz,
mas esgueira-se ainda assim, dolorosamente, num estreito sinuoso
pela encosta acima, parece
uma espécie de elevador da glória feito de asfalto e nostalgia.
Passa a ambulância numa gritaria de urgências
(as ambulâncias andam sempre aflitas, mesmo quando não trazem doentes)
que faz trepidar as janelas devolutas
e a fotografia, assinada, da Amália que brilha
na parede nobre da tasquinha do brasileiro das pataniscas.
A Rua de São Lázaro transporta antípodas e nativos
como condenados numa barca de Gil Vicente,
como heróis numa nau de Camões ou fantasmas num cargueiro de Pessoa.
É democrática e trata todas as criaturas com o mesmo desdém
de quem sobreviveu a terramotos.
Os magníficos escombros de um império perdido atrapalham
a paisagem.
O ambiente é excessivamente cenográfico, mas há gente que vive aqui.
Parece impossível, mas há gente que sobe e desce em trabalhos e serviços,
num atarefado trânsito de ambições.
A Rua de São Lázaro bomba ao ritmo do desígnio dos deuses
e da vontade dos homens.
E enquanto o Hospital de São José geme de dores e disfunções,
abre-se um palco para a vida encenar o seu ofício de caos
e frémito e azáfama e frenesim.
A Rua de São Lázaro quer ser Mártir da Pátria
como o Tejo quer ser oceano, mas ao contrário:
a subir é mais difícil chegar lá e não há marés que ajudem à conquista
e não há maneira de cumprir o caminho que não seja esforçada e inglória
e é essa a tragédia.