quinta-feira, dezembro 20, 2018

Muito, muito breves e muito, muito leves leituras do Alcorão.





"Isto não é mais do que a revelação 
revelada pelo poderoso poder
que se fez estático
no mais alto dos horizontes;

que se aproximou e, suspenso
a dois arcos de distância (ou mais perto),
falou a Maomé."


Alcorão . 53:4-11 . Tradução livre do texto em inglês.


I . Todos somos Gabriel.
Na origem do Alcorão está o arcanjo Gabriel, que traz a Palavra a Maomé. É exactamente o mesmo anjo que anuncia, na tradição judaico-cristã, a encarnação do Verbo de Deus, que traz a justiça e a verdade, mas também o amor e a fraternidade. Essa "encarnação do Verbo", para os cristãos é Jesus e para os judeus é ninguém, até ver. Seja como for, cristãos, judeus e muçulmanos têm mais em comum que descender de Abraão. Acreditam todos neste extra-terrestre que traz uma mensagem de transcendência. Os judeus até acham que este anjo em queda livre é uma espécie de guardião da fé.

II . Barba ou cabelo?
Como diferenciar judeus e muçulmanos num campo de batalha do Mediterrâneo Clássico? Os muçulmanos rapam a cabeça (porque uma careca escanhoada funcionava como uma pintura de guerra e porque Maomé nunca fez a barba) e os judeus rapam a cara (porque uma face escanhoada funcionava como uma espécie de pintura de guerra e porque se rapassem a cabeça não se distinguiam dos muçulmanos). Assim, toda a gente tem a certeza rápida de que está a matar o filho da puta certo: se tens barba és de Meca, se não tens és de Jerusalém.
Qualquer santificação da barba no contemporâneo mundo que vivemos deriva assim de um medo de barbeiros e de uma cosmética de guerra. Ponto.

III . Quem nunca pecou é um macaco (macho).
O apedrejamento não está legislado no Alcorão porque, reza a lenda, uma sacana de uma cabra petiscou essas iniciáticas páginas. Mas o segundo livro sagrado do Islão (Ṣaḥīḥ al-Bukhārī), que precede cronologicamente o Alcorão, conta a história de um profeta que, vendo um macaco atirar uma pedra a outro macaco, concluiu que o macaco vítima de apedrejamento teria que ser uma fêmea infiel e que o macaco agressor teria que ser o macho traído e por isso, justificadamente, atirador de pedras.

IV . Virgens infinitas.
As setenta e duas virgens que o Islão promete aos seus mártires não são na verdade setenta e duas. São infinitas, porque no árabe do Alcorão o número 72 serve para ilustrar o que é inumerável. Se eu disser que o califa Abdul Hamid tem 72 cabras, o que eu quero dizer é que ele tem cabras que nunca mais acabam. Além disso, nos escritos sagrados originais, o meu paraíso com 72 incontáveis virgens lá dentro implica também a presença - e a logística - dos incontáveis servos das virgens (todo o bordel tem seguranças, todo o harém tem eunucos). Trata-se de uma multidão ansiosa, dependente e dispendiosa que não perfaz na verdade os mínimos necessários a uma ideia de qualidade de vida-depois-da-vida.

V . Uma língua moribunda.
Noventa por cento dos 1.7 biliões de muçulmanos no planeta não falam a língua em que o Alcorão foi escrito. Não é de admirar. Cem por cento dos cristãos contemporâneos não dominam o grego clássico, o hebraico e o aramaico em que o Antigo e o Novo testamentos foram originalmente redigidos, por exemplo. Há no entanto que ter em consideração que a tradução escolástica de textos ancestrais, ainda por cima resultantes de tradição oral, podem rapidamente transformar a mensagem original num disparate fascista, como aconteceu na baixa idade média da Europa e acontece actualmente um pouco por todo o mundo islâmico.

VI . O guerreiro e o carpinteiro.
Maomé era um próspero comerciante do médio oriente do século VI depois de Cristo. De forma a dominar as rotas comerciais dessa época, um comerciante competente teria que ser em concomitância um guerreiro de primeira estirpe. Não existia outra hipótese. É por isso que o Alcorão será sempre mais inspirador de violências do que o Novo Testamento. Como qualquer pessoa normal, os dois profetas são produto da sua Situação. Cristo é um pobre carpinteiro de um canto pobre do império romano, no seu apogeu. Maomé é um próspero - e bélico - capitalista que trabalha sobre a decadência desse mesmo império. A mensagem evangélica tem que ser diferente.