Antes de tudo o mais, devo agradecer ao Luís Gagliardini Graça e ao embaixador Francisco Henriques da Silva o facto de me terem honrado com este convite para proferir umas breves palavras introdutórias sobre o livro que o Francisco lançou em Maio – “Guerras Culturais e as Ameaças Woke”.
Não tenho a pretensão de fazer aqui uma, mesmo que breve, recensão crítica ao trabalho do embaixador - ele falará de seguida sobre o seu labor, mas atrevo-me apenas a um breve enquadramento do assunto que o livro explora com profundidade.
E porque não quero roubar muito tempo ao ilustre autor, pretendo abordar dois pontos só, que me parecem constituir equívocos grandes sobre o movimento woke e a guerra cultural que travamos.
E os equívocos são estes:
- Que o movimento woke é um fenómeno recente, e que se plasmou de forma mais expressiva a partir da pandemia Covid-19.
- Que o movimento woke está em queda livre, depois da reacção populista nos EUA, principalmente, mas também na Europa por expressão dos partidos populistas.
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O primeiro equívoco é fácil de desmontar porque, na verdade, tudo começou há três décadas atrás, nos anos 90, quando personagens sinistros como Bill Clinton, Tony Blair, Gerhard Schroder, François Miterrand e, em Portugal, António Guterres, perceberam que o marxismo estava em falência técnica, porque os operários da Volkswagen iam de Volkswagen Passat para a fábrica.
A guerra de classes estava defunta pela simples razão de que o operariado tinha ascendido à classe média e por isso havia que inventar uma nova guerra, porque, como todos sabemos ou devemos saber, a esquerda precisa de convulsão social como a alface da fotossíntese.
Mais a mais e entretanto, no telejornal, estávamos a assistir, em directo, à queda espalhafatosa e literal dos soviéticos amanhãs que cantam.
E daí a chamada “Terceira Via”.
E no que é que consistiu esta “Terceira Via”? Na fraude do “fim da história”, na corporativização do sistema económico, na sobretaxação dos contribuintes, na filosofia económica globalista, mas sobretudo, na invenção de uma nova razão de combate e de uma nova promessa de cantares futuros. Em vez da luta de classes, passámos à guerra dos sexos e à guerra das raças: aquilo a que chamamos hoje as políticas da identidade.
Acontece que esta guerra já nem tinha razão de ser. Eu tenho 58 anos e nunca vi, em Portugal, ninguém ser directamente descriminado por causa de ser moçambicano ou nepalês, por ser homem ou mulher ou outra coisa qualquer, desde que tivesse o decoro, que todos os heterossexuais e homossexuais de bom senso e boa educação devem ter, de não fazer da sua intimidade coisa política. Desde que tivesse a lucidez de não fazer da cor da pele justiça social.
As pessoas continuaram na verdade a ser descriminadas pelo seu estatuto económico e social, mas a esquerda já nem queria saber disso para nada.
Até porque as políticas de identidade são muito mais draconianas e desagregadoras da sociedade e dos valores que a mantêm coesa do que as políticas marxistas. Ou seja, a “terceira via” é mais perigosa, do ponto de vista civilizacional, que a sociologia de Marx alguma vez foi. Por uma simples razão: as sociedades ocidentais como funcionaram entre o século XVIII e a primeira metade do Século XX, valorizavam o mérito e eram permeáveis, nuns casos mais que noutros, mas efectivamente, à mobilidade social. Quem nascia pobre podia morrer rico e vice-versa.
Acontece que as políticas da identidade entregam as pessoas a uma condição imutável: se eu sou branco, vou morrer branco. Se eu sou homem, vou morrer homem. Se eu sou somali, vou morrer somali e se eu tenho determinadas preferências sexuais vou morrer com elas. E assim sendo, estou condenado à trincheira desta guerra.
Pior: esta é uma luta que vira, como nenhuma outra, as sociedades contra si próprias. É uma guerra civil à espera de acontecer porque joga homens contra mulheres, heterossexuais contra homossexuais, nativos contra estrangeiros, pálidos contra morenos e etc.
E pior ainda: enquanto o marxismo estalinista – o pior marxismo de que temos exemplo – tinha ainda a lucidez de respeitar os valores nacionais e a integridade das fronteiras, a esquerda das identidades fez explodir até aquilo que demarca a cultura, a língua e o património histórico dos povos.
É um esquema sem saída, de inspiração apocalíptica. Nada podia ser mais ao gosto da esquerda e principalmente da esquerda contemporânea, que segue radicalmente esta máxima: quanto pior, melhor.
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O segundo equívoco, de que o movimento woke está em queda livre, foi principalmente sustentado pelo optimismo que o sentimento populista viveu depois do estabelecimento de Bukele em El Salvador, Orbán na Hungria, fico na Eslováquia, e das recentes vitórias eleitorais de Meloni em Itália, Milei na Argentina, Wilders nos Países Baixos e Trump na América, bem como de uma certa ascendência, que não tem consequência nas cordas do poder, dos partidos populistas ou nacionalistas em França, na Alemanha, em Portugal ou na Roménia (se bem que, neste último caso, com a supressão fascista que conhecemos).
O problema é que 75 milhões de americanos votaram Kamala Harris, em Novembro de 2024. E sendo os EUA um estado federal, os grandes centros urbanos continuam a ser dirigidos por elites políticas, económicas e judiciais que têm nas trincheiras da identidade o seu último reduto.
O problema é que em Silicon Valley e em Wall Street continuam a trabalhar intensamente (e com o patrocínio da actual administração americana) em favor do transhumanismo, que é inevitavelmente o destino final do vector woke.
O problema é que na União Europeia continua a reinar a burocracia não eleita de Bruxelas, que se fosse mais woke, rebentava.
O problema é que no Reino Unido, a Casa dos Comuns acabou de aprovar, com votos de dezenas de deputados ditos conservadores, a descriminalização do aborto até ao momento do parto. E com votos de conservadores e até de deputados do Reform UK de Nigel Farage, um projecto-lei de suicídio assistido pelo estado que não protege sequer aqueles demasiado doentes ou mentalmente frágeis do assassinato por familiares.
E todos sabemos que o movimento woke faz do aborto, como da eutanásia, cavalos de batalha na missão de cinzas a que querem submeter a humanidade.
O problema é que os jogos olímpicos de Paris foram uma montra de abominações transformistas, como todos testemunhámos.
O problema é Macron, Merz, von Der Leyen, Starmer, Sánchez, Tusk. Esta turba criminosa que guarda as chaves do poder na Europa.
O problema é Marcelo Rebelo de Sousa, Luís Montenegro, Carlos Moedas e toda a pandilha globalista que domina os corredores do poder em Portugal.
O movimento woke está muito longe de ter sido terminado e, nesse sentido, não podia ser mais oportuna a edição do trabalho de investigação e denúncia do embaixador Francisco Henriques da Silva, que logo na introdução cita Chesterton:
“O mundo moderno perdeu o juízo, não tanto porque aceita o anormal, mas porque não consegue restabelecer a normalidade”.
Meus caros: enquanto aceitarmos travestis na hora do conto, estaremos muito longe de restabelecer a normalidade.
Muito obrigado.