Durante as duas primeiras semanas, a equipa correu como se tivesse a certeza absoluta que o ciclista português, que esta época tem demonstrado que é um dos 3 melhores voltistas do mundo e que já tinha batido Jonas Vingegaard por duas vezes em duelos directos noutras provas, não seria capaz de contornar o dinamarquês de forma a vencer a prova.
Lançando Juan Ayuso, Jay Vine e até Marco Soler num fluxo diário de ataques a solo, com vista ao ganho de etapas e à conquista da camisola da montanha, a equipa dos Emiratos deixou o seu líder, na maior parte das vezes, a lutar sozinho contra o unido esquadrão da Jumbo Visma, facilitando a vida a Vingegaard, em vez de explorar a circunstância do ciclista dinamarquês ter chegado a Espanha com um exigente e frustrante Tour de França nas pernas.
A estratégia da UAE parece especialmente imbecil se pensarmos que Ayuso, um atleta que por dezenas de vezes já deu provas que não entende que o ciclismo é um desporto de equipa, e que desistiu de lutar pela classificação geral logo na primeira etapa de alta montanha, tem sido mais apoiado pela equipa do que Almeida, apesar de - pasme-se - ter sido anunciada a rescisão do seu contrato em pleno decorrer da prova.
Acompanho o ciclismo profissional há três décadas e nunca vi nada assim.
Seja como for, João Almeida, que mesmo desrespeitado e destratado e abandonado à sua sorte pela sua própria equipa estava ontem, à partida para a etapa rainha desta Vuelta, a 50 segundos de Vingeggard, no segundo lugar da classificação geral, partiu para a subida do impossível Angliru, uma escalada mítica que tem zonas com inclinações superiores a 20%, com a intenção de demonstrar à plateia global que é um ciclista de eleição.
Tirando partido, por uma vez, do esforço dos seus companheiros Ivo Oliveira, Jay Vine e Felix Großschartner, o português assumiu a corrida a sete quilómetros do fim, na fase mais inclinada da subida, e, com Vingegaard na roda, ligou a motorizada que tem nas pernas.
Foi uma coisa absolutamente linda de se ver, de tal forma que o campeoníssimo dinamarquês nem por uma vez tentou atacar, limitando-se a seguir o adversário até à meta.
Foi a vitória mais bonita e valente da carreira de João Almeida, e um chapadão nas trombas do director desportivo da UAE para esta prova, Matxin Joxean Fernandez, que devia ser despedido já, junto com Ayuso.
A Vuelta está neste momento em aberto, mas se tudo correr normalmente João Almeida fechará no segundo lugar (não é impossível bater Vingegaard, mas é improvável, dados os 46 segundos que os separam e o desvario da UAE), o seu melhor resultado em voltas de 3 semanas, mas sairá de Espanha com um estatuto que dificilmente poderá ser olvidado pela sua equipa, no futuro.
O que abre expectativas, completamente legítimas, para que o atleta de A-dos-Francos possa vencer um dia uma das três principais provas do calendário internacional, afirmando-se assim como o melhor ciclista nacional de todos os tempos.