Há histórias que não precisam de links e vídeos e testemunhos e provas exteriores para serem confirmadas porque a imaginação humana não seria capaz de as inventar. Esta é uma delas: ontem, a Academia Sueca decidiu legitimar a intervenção militar na Venezuela que Donald Trump tem agendada ao atribuir o Prémio Nobel da Paz a María Corina Machado, a líder da oposição ao regime Maduro.
Sim, sim. O Prémio Nobel da Paz vai certamente servir de trampolim para uma intervenção militar.
Se isto fosse ficção, era má ficcão.
Num compromisso trapezista, a academia conseguiu, sem atribuir o prémio a Donald Trump (seria excessivo, dado o percurso belicista que tem interpretado desde que chegou à Casa Branca), lamber o chão que o homem pisa, ainda assim, ao fornecer-lhe as munições para a mudança de regime no país sul americano.
Isto não devia surpreender ninguém, dado o perfil histórico, extremamente politizado e comprometido com interesses que nada têm a ver com a paz, deste desgraçado tributo. E é por isso que entre os premiados encontramos Barak Obama, Al Gore, Yasser Arafat, Henry Kissinger, José Ramos-Horta, Mohamed ElBaradei e muitos outros bandidos deste repugnante género.
Mas devemos reconhecer, de qualquer forma, que desta vez a Academia Sueca se excedeu, em hipocrisia, pouca vergonha e servidão aos poderes instituídos.
E não, não nutro qualquer simpatia pelo regime Maduro, como é óbvio (será preciso dizê-lo?). Acontece apenas que acho que devem ser os venezuelanos a resolver os problemas deles. Como acho que os americanos também se devem dedicar apenasmente a resolver os seus, que não são poucos, por sinal.
E até por uma razão muito simples: quando é que, desde o fim da Segunda-Guerra Mundial, os EUA resolveram fosse que problema fosse por intervenção militar ou acção dos seus serviços secretos num país estrangeiro?
Resolveram alguma coisa na Coreia? não. Dividiram o país ao meio. E no Vietname? Não. Perderam a guerra e entregaram o país aos comunistas. E nos Balcãs? Os tapetes de bombas mataram inocentes em quantidade genocida em favor dos genocidas que já lá operavam. E no Iraque? Se a intervenção de Bush pai pode ser considerada como um sucesso, a intervenção de Bush filho melhorou o país em quê? Em que é que o regime de Sadam era pior ou melhor do que aquele que lá foi montado depois? E o que foi o Estado Islâmico senão o resultado dessa desastrosa influência americana? E na Somália, a intervenção dos EUA serviu algum propósito? E no Afeganistão, que o Pentágono abandonou ao inimigo, depois de o estar por lá a combater durante vinte anos? E na Síria, e na Líbia, e no Panamá, e na Nicarágua, as coisas estão assim tão diferentes entre o antes e o depois das intervenções americanas? Na Síria e na Líbia, estão muito diferentes, sim, para pior.
E a intervenção da CIA na Ucrânia? Teve como resultado uma guerra em que já morreram para cima de 1,7 milhões de ucranianos.
E o recente bombardeamento norte-americano das instalações nucleares iranianas? Fez com que o Irão recolhesse massivos apoios logísticos e tecnológicos da Rússia e da China, que fortificasse as suas defesas e que tornasse ainda mais secretivo o seu programa nuclear.
E os recorrentes ataques às milícias houthi no Iémen? Que se saiba, as milícias continuam lá, a incomodar deveras o trânsito marítimo no Mar Vermelho.
Nesse sentido, o que é que nos leva a crer que tudo será diferente agora, quando o Pentágono desenrolar o seu rolo compressor sobre a Venezuela?
A boa fé da Academia Sueca?
Por amor de Deus.