segunda-feira, maio 05, 2025

Haikus de Fornalhas Velhas III


 

O gato Álvaro é feliz
Em Fornalhas Velhas como Midas
nas Minas de S. Domingos

 

 

Debaixo da nespereira
O álvaro decifra
Os mistérios do cosmos

 

 

Não há como um animal de cidade
Para apreciar os prazeres
Do campo

 

 

Até o Café do Cigarrinhoo
Obedece às leis
De mercado

 

 

Quanto mais gosto de escrever haikus
Piores são
Eles

 

 

O silêncio é de tal forma eloquente
Que até as rolas
Se calam

 

 

Há um cão dissidente
Que protesta, lá para os lados
De Beja

 

 

O haiku tem a vantagem
De ser 
Caligrafado

 

 

Primavera -
O Alentejo quer ser
Suíça



O Álvaro foge do local do crime
Com peso
Na consciência

 

 

Escrevo como os antigos -
À luz das velas
E da Via Láctea

 

 

Não saem haikus eternos
Mas a tinta
Não se queixa

 

 

 


 

 

Lua Nova
A estrada é tão escura
Que até a cadela recua

 

 

Gosto de Fornalhas
Como o fogo
De acendalhas

 

 

Fornalhas Velhas -
Um parentesis nos males
do mundo

 

 

Pátio dos 8 -
Onde a cosmologia vai
Para fazer sentido

 

 

Em Fornalhas Velhas percebes
Porque Kant só saiu de  Königsberg
Duas vezes

 

 

Mal criado -
Não domino os códigos sociais
Da província

 

 

A guitarra portuguesa
É um instrumento
De transcendência

 

 

Estás a ouvir os lamentos
Que Cristo deixou
No éter

 

 

Ser português tem piada
Por causa da conversa que temos
Com Deus

 

 

Somos por Ele
Na mesma medida amados e
Condenados

 

 

Como Cristão
Tenho simpatia
Por Pôncio Pilatos

 

 

A cigarra calou-se
só os meus velhos tímpanos
Zumbem

 

 

Simbiose -
Uma bicicleta e o
Tadej Pogacar

 

 

O Tadej pedala
Como se fosse salvar a mãe
Do inferno

 

 

O ciclismo divide-se em
Antes e depois de
Pogacar

 

 

 


 

 

Gato de apartamento
Tem insónias
No pátio

 

 

Deus poupou-me à prostituição -
Para um publicitário
Não é dizer pouco

 

 

Fui até poupado à guerra -
Para um europeu
Será excepção

 

 

Não sofri de fome
Ao contrário de boa parte dos
que já viveram

 

 

Sou grato pela vida
Remediada e aborrecida
Que Deus me deu

 

 

É difícil
Ser ateu
Em Fornalhas Velhas

 

 

No Pátio dos 8
Esqueces que és
Da Babilónia

 

 

A nespereira
É uma cidade
De pássaros

 

 

Estou a ficar
Afónico de tantos
Versos

 

 

Um recorde -
Já estou há 36 horas
Sem bater no teclado

 

 

 

A Vodafone
Desligou-me -
Livre enfim

 

 

Uma coisa é apetecer-te versos
Outra é escreveres
50 haikus