terça-feira, maio 06, 2025

Haikus de Fornalhas Velhas IV


 

 

 

A Ofélia encontrou ovelhas
E o instinto
Fez o resto  


 

Não receio morrer

Mas temo

O destino


 
 
Imagino mil desenlaces

Todos piores

Que a morte


 
 
Sei que serei

Matéria consciente

Depois disto


 
 
Fui num sonho informado

Da plenitude

Que vem a seguir

 

 

Foi uma morta
Que me ofereceu
A sabedoria

 

 

Escrevo haikus
Mais confessionais do que seria
Desejável

 

 

O silêncio
É uma droga
Dura

 

 

Guardo estes aglomerados
De versos para a posteridade
Nenhuma

 

 

O Pessoa escrevia para o futuro -
Eu escrevo para
Ontem

 

 

Sê lúcido -
Aquilo que não foste
Já não serás

 

 

Aos 58 anos 
É tarde demais
Para sonhar

 

 

Consola-me o scotch
E a paz
Deste momento

 

 


 

 

 

A natureza tem horror do vazio
Como eu de páginas
Em branco

 

 

Estou constantemente a salvar insectos
De morrerem afogados
Na piscina

 

 

Com a idade tornei-me
Um activista
Dos besouros

 

 

A caligrafia também sofre
Com as minhas
Penas

 

 

Só te consegues ouvir 
Na solidão
E no silêncio

 

 

Tenho a certeza
Que sei
Quem sou?

 

 

Serei mais ou menos
Do que penso
Que sou?

 

 

E ser mais ou menos
Não será igual
Ao litro?

 

 

Apagão -
Quase consegues ver o rosto de Deus
No firmamento

 

 

Quando o Alentejo
Se apaga, a Via Láctea
Acende-se

 

 

A luz eléctrica
É um mal
Necessário

 

 


 

 

Quanto mais tecnológica uma civilização
Mais frágil
É

 

Quando a civilização cai
O que te faz mais falta
é o café

 

 

Engenheiro!
Aqueço a água do café
Nas brasas em que assei a alheira

 

 

É preciso ter muita fé
Para ser
Ateu

 

 

É como devorar um banquete
Sem acreditar
No cozinheiro

 

 

Pretensão -
A do símio que quer decifrar
As leis do universo

 

 

Eu e o meu gato
Adoramos
Apagões

 

 

Todo o ateu devia passar
Uma noite apagado
No Alentejo 

 

 

Tagarela -
Abriste um moleskine novo
E já vai a meio

 

 

A cada dez haikus, um cigarro
A cada vinte, um scotch -
Boa média

 

 

Sabe-me bem
Meter tinta
No papel

 

 

Se me sabem tão bem

Que mal trazem ao mundo

Haikus assim beras?

 

 

Para que triunfem grandes poetas

Não serão necessários

Os medíocres?

 

 

Tantos haikus escrevo

Que até a esferográfica

Tem cãimbras