A Ofélia encontrou ovelhas
E o instinto
Fez o resto
Não receio morrer
Mas temo
O destino
Imagino mil desenlaces
Todos piores
Que a morte
Sei que serei
Matéria consciente
Depois disto
Fui num sonho informado
Da plenitude
Que vem a seguir
Foi uma morta
Que me ofereceu
A sabedoria
Escrevo haikus
Mais confessionais do que seria
Desejável
O silêncio
É uma droga
Dura
Guardo estes aglomerados
De versos para a posteridade
Nenhuma
O Pessoa escrevia para o futuro -
Eu escrevo para
Ontem
Sê lúcido -
Aquilo que não foste
Já não serás
Aos 58 anos
É tarde demais
Para sonhar
Consola-me o scotch
E a paz
Deste momento
A natureza tem horror do vazio
Como eu de páginas
Em branco
Estou constantemente a salvar insectos
De morrerem afogados
Na piscina
Com a idade tornei-me
Um activista
Dos besouros
A caligrafia também sofre
Com as minhas
Penas
Só te consegues ouvir
Na solidão
E no silêncio
Tenho a certeza
Que sei
Quem sou?
Serei mais ou menos
Do que penso
Que sou?
E ser mais ou menos
Não será igual
Ao litro?
Apagão -
Quase consegues ver o rosto de Deus
No firmamento
Quando o Alentejo
Se apaga, a Via Láctea
Acende-se
A luz eléctrica
É um mal
Necessário
Quanto mais tecnológica uma civilização
Mais frágil
É
Quando a civilização cai
O que te faz mais falta
é o café
Engenheiro!
Aqueço a água do café
Nas brasas em que assei a alheira
É preciso ter muita fé
Para ser
Ateu
É como devorar um banquete
Sem acreditar
No cozinheiro
Pretensão -
A do símio que quer decifrar
As leis do universo
Eu e o meu gato
Adoramos
Apagões
Todo o ateu devia passar
Uma noite apagado
No Alentejo
Tagarela -
Abriste um moleskine novo
E já vai a meio
A cada dez haikus, um cigarro
A cada vinte, um scotch -
Boa média
Sabe-me bem
Meter tinta
No papel
Se me sabem tão bem
Que mal trazem ao mundo
Haikus assim beras?
Para que triunfem grandes poetas
Não serão necessários
Os medíocres?
Tantos haikus escrevo
Que até a esferográfica
Tem cãimbras