Com a mesma naturalidade com que enfrento a vida.
Se morrer já amanhã, tudo bem. A minha mulher fica a tomar conta da cadela e do gato e dos sobrinhos e o meu sogro e a minha mãe têm idade suficiente para não levarem a mal que eu morra em paz.
Se morrer daqui a vinte anos, tudo bem. Os animais já morreram entretanto, os familiares mais velhos também, e os mais novos, já não precisam de tios.
A morte não dói tanto como a vida. E o que é mais: dá-lhe todo o sentido.
Aqueles que não sabem morrer, nunca souberam viver.
E é por isso que ninguém me assustou, assusta ou assustará com ameaças de gripes chinesas, apocalipses climáticos, impactos de meteoritos, invasões de extraterrestres ou extinções nucleares.
Quero dizer: se sobreviver a qualquer destes fins civilizacionais, vou sofrer que nem um condenado, e isso receio, sim.
É de longe preferível que não sobreviva ao catálogo de horrores que esses cenários garantem.
Outrossim receio morrer lentamente, em dor e dependência, durante meses ou anos.
Mas da morte, propriamente dita, não tenho qualquer medo. Estou completamente preparado para deixar de ser este corpo e esta identidade de Paulo Hasse Paixão.
A minha alma, eterna, não se chama Paulo Hasse Paixão. E sei que será recebida no abraço de Cristo, não porque o Paulo Hasse Paixão não tenha somado erros, no acidentado percurso da sua existência, mas pelo simples facto de estar certo desse glorioso e redentor amplexo, que transcende a materialidade do que sou ou julgo ser.
É tudo, na verdade, tão simples que até faz impressão.