quinta-feira, outubro 06, 2005

O Relatório Kinsey não é o Diário de Bridget Jones.

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Eis o estado a que as coisas chegaram: na Áustria; um País tão politicamente correcto - ou tão reaccionário, não percebo bem - que até tem um Ministério dos Assuntos Femininos; o hino nacional vai ser corrigido de forma a não ofender a condição da Mulher. Assim, onde antes se cantava “coros irmãos”, cantar-se-á “coros alegres”; o verso que elevava os “grandiosos filhos da Nação” passará a elevar os “grandiosos filhos e filhas da Nação” e a palavra pátria (Vaterland), porque dá ênfase ao conceito patriarcal da república, será substituída por “Terra Lar”.
É claro que ninguém torna a vida mais fácil à difícil vida da mulher ocidental com este tipo de ridicularias. Nenhuma mulher inteligente pode achar que estes artigos de barata cosmética lhe devolvem a dignidade perdida, se é que ela acha que perdeu alguma.
Tais símbolismos abstrusos de baixa política, pelo contrário, rebaixam a condição da mulher, simplesmente porque conduzir o assunto da condição feminina como se de uma minoria étnica se tratasse, é de uma vilania inominável.
Em vez da discriminação positiva, da gramática revisionista e do moralismo abjecto e arcaico das comunas de Paris, o que se deve dar às mulheres, são direitos e oportunidades iguais. Ponto final. Tudo o mais é lamechice insuportável, ou pior ainda, tudo o mais é querer tranformá-las. É querer alterar a sua antropologia. Tudo o mais é que é ser paternalista, fascizóide, segregacionista. Tudo o mais é não perceber coisa nenhuma de biologia, é não saber aceitar que homem e mulher cumprem papeis diferentes no quadro da mecânica natural da sua espécie. É não conseguir compreender que o Homo Sapiens é um produto relativamente bem sucedido dessas diferenças simbióticas, dessa multiplicidade diversa, que também é responsável pelo género que têm as palavras, tanto como pela ordem semântica da linguagem. Tudo o mais é querer transformar mulheres em homens.
A Eva dos nossos dias - chamemos-lhe Bridget Jones - é o paradigma da mulher em falência de missão ontológica que a escolástica socialistóide dos estados europeus tem parido a torto e a direito. É uma tonta que não percebe qual o seu papel no enredo: a biologia diz-lhe uma coisa, as aspirações de animal moderno exigem outra. Sexualmente esquizofrénica, não sabe se deve seduzir ou ser seduzida, entregar-se ao casamento ou abandonar-se à luxúria, assumir-se predadora ou entregar-se presa fácil. Operacionalmente inepta, não sabe se há-de cozinhar ou sair em reportagem, seguir carreira ou construir família. É a confusão e a falta de senso, é a neura e a deselegância crónica. É o caos e o divórcio.
Desde a revolução sexual do século XX que a mulher ocidental anda metida numa batalha contra si própria, e tudo por causa de quem a quer salvar do seu destino trágico, não se percebendo bem que tragédia maluca aguarda Bridget, sabendo-se que é ela, em última análise, a fiel depositária do mistério da vida.
Curiosamente, o grande pioneiro desta revolução, sabia bem demais que as diferenças entre géneros na espécie humana eram não só evidentes como elementos causais da civilização. Quando Alfred Kinsey lançou em 1946 "O Comportamento Sexual do Homem" e depois, em 52, "O Comportamento Sexual da Mulher", produtos do primeiro estudo científico alguma vez realizado sobre a sexualidade humana, a dicotomia estava assumida.
Neste sentido, o Diário de Bridget Jones só é inspirado no Relatório de Kinsey por equívoco do argumentista.
Maravilhado desde sempre com a diversidade do reino biológico, naturalista fanático e metodologista radical, Kinsey acreditava que o comportamento sexual da espécie humana seria consistente com as idiossincrasias do indivíduo e do seu meio envolvente. E que toda a actividade sexual, da masturbação ao coito com animais, da homossexualidade aos sonhos húmidos, decorreria de um impulso natural, entendido como uma manifestação individual de cada ser vivo, em função do seu determinado contexto existencial.
Estudando, registando e catalogando uma imensidão estatística de depoimentos anónimos com base nas divergências morfológicas, sensoriais e culturais dos entrevistados, Kinsey propôs uma abordagem baseada não na uniformidade, mas antes num padrão multiforme de comportamentos, também sustentados pelas particularidades decorrentes do Género.
Lamentavelmente, o estudo foi entendido precisamente como um elo de convergência comportamental - e portanto “de natureza” - entre homens e mulheres, os desvios ao regime puritano foram colados na mesma caderneta unisexo do senso comum e daí o caudal de dislates politico-filosóficos que se seguiram.
Não por acaso, o segundo volume do estudo de Alfred “Prok” Kinsey foi a sua desgraça: a sociedade americana, que o tinha aclamado por trazer à consciência social a terrível verdade sobre o líbido masculino, não o perdoou por escarrapachar nos escaparates os segredos de alcova das mulheres americanas. O espírito proteccionista de ontem e de hoje é o mesmo e as mesmas bestas que não percebem as diferenças agora, também não as entendiam há 50 anos atrás.
Assim, Bridget, que não se soube decidir entre o soutien chamuscado e a cinta de ligas, vai sempre parecer uma coelhinha da playboy numa missa luterana. E enquanto entoa a canção pátria que já não é pátria, que é orfâ de pais para que não lhe ofendam a dignidade de plástico que comprou nas televendas dos editoriais e dos projectos-lei, Bridget Jones vai perdendo irremediavelmente a sua identidade de fêmea, de mamífero e de sapiens.