terça-feira, dezembro 15, 2015

Jornal de Letras . Brasil: Uma Biografia

Crónica publicada a 29/10/15





























"Esta terra ainda vai cumprir seu ideal:  
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!
Chico Buarque


O Brasil como anti-herói.

A biografia é, regra geral, um género literário que se desenvolve sobre a vida e a obra de um indivíduo. Ao relato da vida e da obra das nações, estamos habituados a chamar História. Porém, Suetónio, o eterno biógrafo dos 12 primeiros césares do Império Romano, discordaria muito provavelmente desta assumpção. Já Braudel, para dar um carismático exemplo, nunca aceitaria que a História fosse contaminada pelo carácter errático e insignificativo dos líderes que a protagonizam. Rebentado completamente com esta aborrecida conversa, Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling, as autoras de “Brasil: Uma Biografia”  (Temas e Debates, 2015), experimentam um género novo: uma síntese subjectiva e saborosa da história do seu país, visto como um personagem. E o personagem é um anti-herói à procura da redenção.

Naturalmente, o livro lê-se como um romance de aventuras. E precisamente porque recusa os cânones do ensaio historicista, as expectativas de rigor académico não podem ser tão altas como as do puro prazer da leitura. A obra tem umas boas 70 páginas de notas e referências bibliográficas, as autoras são distintas académicas do seu país, mas há um indisfarçável entusiasmo de opinião no correr de discurso que cativa e entretém e polemiza, mas que nem sempre convence. Há uma certa ligeireza na narrativa, quando se produzem afirmações lapidares como a de que o Ciclo do Açúcar no Brasil resultou na “maior importação forçada de trabalhadores africanos até hoje conhecida“, sem uma nota de rodapé que ajude a eloquência.

As autoras assumem, logo na introdução, um destino para o seu personagem: uma república à procura da utopia pela superação dos problemas étnicos e raciais, das disparidades económicas e dos atavismos ancestrais. Trata-se, claro, de uma biografia ideológica. Assar uma pessoa e comê-la, para honrar o deus da guerra, é bom. Assá-la sem a digerir, para honrar o deus católico, é mau. Temos colonizadores simpáticos (os holandeses são espectaculares) e temos colonizadores do género Darth Vader (adivinhe quem são, caro leitor). Temos ditadores razoáveis (Getúlio Vargas) e ditadores execráveis (os da junta militar). Temos um sistema esclavagista horroroso (o dos senhores do algodão na Virgínia) e um sistema esclavagista ainda pior (o dos senhores do açúcar em Pernanbuco). Temos regentes patéticos (D. João) e grandes líderes (Lula da Silva); partidos do mal e partidos do bem, governadores corruptos e impolutos, presidentes capazes e incapazes, etc., etc. Sendo que o critério entre o que é bom e o que é mau nunca transgride uma monótona versão sul-americana do que hoje em dia chamamos politicamente correcto.


O problema Portugal.

O leitor luso poderá ficar surpreendido pela criatividade da escrita em Português do Brasil. É que vai descobrir todo um léxico que o acordo ortográfico não alcança: para além do muito frequente e divertido uso dos verbos pipocar (estalar) e cultuar (prestar culto), ficamos a saber, por exemplo, que uma atitude pode ser dadivosa ou desabusada. O modelo económico no Brasil do século XVIII era escravista, uma coroação tem exuberância espetaculosa e, quando odiamos, estamos a manifestar um desafeto. Uma coligação é uma coalizão, uma amnistia (do grego amnestía) é uma anistia e, claro, quando alguém desaparece, dá-se uma desaparição. Na verdade, estas dissonâncias são até bem-vindas e, de qualquer forma, património da língua de Camões, no sentido estrito, lato e translato. Mas seria talvez justo que todos os que falam e escrevem o Português tivessem também essa mesma e imaginativa liberdade.

Notará também o leitor português a escassa consideração que é manifestada pela nação que afinal criou e unificou o Brasil. Os descobrimentos portugueses duram, num livro com 516 páginas de narrativa, uma página e meia. Os descobrimentos espanhóis ocupam igual página e meia, embora não se perceba, comparativamente, a importância destes últimos.

Dolorosamente entalada entre duas superpotências da altura, a França de Napoleão e a Inglaterra de Jorge III, a diplomacia de D. João, o príncipe regente, é, nesta obra, bastante caricaturada. Mas, dadas as contingências óbvias, não se percebe muito bem a análise crítica de Schwarcz e Starling, que evitam a enumeração de possíveis políticas alternativas. Caricata sim, será a fuga da corte para o Brasil e não a política de neutralidade seguida até aí. Porém, talvez porque é precisamente essa fuga que está na origem da independência do Brasil, não se encontra na obra uma crítica a esse ridículo e inédito episódio.

As autoras não gostam mesmo nada do Príncipe Regente e não cuidam muito em esconder a antipatia: as punições duras e exemplares de D. João sobre os revoltados são horríveis. As punições igualmente duras e exemplares do D. Pedro I, já imperador do Brasil independente, são muito menos pavorosas. A certa altura, parecem até desconhecer que Bocage não é apenas o nome de um papagaio de bordel e, quando chegamos ao capítulo da Primeira República, o modernismo de 22 é glorificado e são registadas todas as influências europeias, mesmo as menos influentes, com a escandalosa omissão da geração de Orpheu, o que é estranho, sabendo-se o peso cultural que Pessoa e Almada ainda hoje têm no Brasil.

A citação preferida desta obra, mencionada várias vezes no texto, é: “Antes dos portugueses terem descoberto o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade“. Da autoria de Oswald de Andrade, a tirada é deveras inócua – pela simples razão de que o Brasil, como entidade geopolítica, antes de ser descoberto não existia -, mas sobretudo porque é de uma ingenuidade gritante. Objectivamente, sabemos muito pouco da vida dos indígenas antes de Álvares Cabral ter chegado ao Brasil, porque antes disso não existia, naqueles territórios do mundo, a disciplina da História. Não sabemos se eram mais felizes ou menos felizes, mais gordos ou mais magros, mais doentes ou mais saudáveis, mais quezilentos ou menos quezilentos. Não é por acaso que as duas académicas, na estrutura da sua narrativa, regressam ao tempo de antes do Descobrimento depois de relatarem o evento do Descobrimento. E reconhecem também que as tribos ameríndias já detinham aparelhos bélicos vastos e formais antes de serem “achados” (claro que, neste contexto, o verbo descobrir nunca é conjugado).

Esta ingenuidade é aliás transversal a toda a obra. Enquanto os brancos são uma praga do diabo, os índios são uma benção de Deus. Isto apesar do que recentes estudos têm vindo a demonstrar: na análise de mortes violentas per capita, a sociedade brasileira actual é muito menos perigosa do que a as sociedades ameríndias eram antes que os brancos infestassem o continente sul americano (1).


O Ciclo do Açúcar e os holandeses voadores.

De qualquer forma, o retrato do Brasil seiscentista é rico e detalhado, conduzindo o leitor para uma terra exótica, imensa, difícil. Um paraíso tropical e um inferno de horrores. Principalmente quando entramos no Ciclo do Açúcar, a primeira experiência económica globalmente significativa da colónia.

Neste segundo capítulo deparamos com um erro crasso, algo estranho, logo à partida, quando é afirmado que “os seres humanos fazem comida com praticamente tudo o que encontram.” Não é verdade. Os seres humanos alimentam-se de muito poucas espécies vegetais e animais, se considerarmos a totalidade das espécies potencialmente comestíveis (2). Mas a descrição do processo de cultivo da cana e produção do açúcar é descrito com detalhe e erudição, e encontramos neste capítulo raros momentos da clarividência que fogem ao politicamente correcto: é de facto preciso dizer, como aqui é dito, que antes dos brancos católicos eram os muçulmanos que controlavam o mercado esclavagista em África, principalmente na costa do Índico. E, do lado do Atlântico, eram os nativos que capturavam os escravos, lucrando também e substancialmente com o comércio infame.

As autoras dominam o processo esclavagista e detalham com rigor a sua iniquidade. Mas a tese de que a escravatura era mais dura no Brasil do que em qualquer outro lado do mundo, à altura, e que, consequentemente, os escravos seriam aqui mais rebeldes, fica claramente por demonstrar. Seja como for, e porque “não há escravatura boa ou má“, com a servidão e a brutalidade surgem as primeiras revoltas de escravos, percursoras de uma longa e agitada novela de levantamentos que mercam indelevelmente a história do Brasil.

Talvez porque Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling tenham ascendência anglo-saxónica e/ou protestante, a simpatia pelos holandeses é evidente e, em certos aspectos, ridícula. Entre 1637 e 1654, a ocupação pirata do Recife é apresentada como um evento de progresso, prosperidade e ordem pública. Nassau é descrito como um aristocrata genial e governador iluminado como nenhum governador português terá sido. Omitindo o prejuízo económico devastador que os holandeses causaram à colónia e o carácter violento e corsário das suas investidas no Recife e em Pernambuco, estas páginas são de tal forma desviantes que o leitor fica com a sensação, obviamente errada, de que a economia esclavagista do ciclo do açúcar é apenas brutal quando conduzida pela coroa portuguesa.

O domínio do comércio do açúcar que os holandeses conseguem de facto estabelecer a partir da segunda metade do século XVII também é descrito de forma um pouco sensacionalista e, em algumas partes, em desacordo com autores de referência sobre este assunto, como Charles R. Boxer (3).

Neste capítulo, desenvolve-se a tese de que a violência no Brasil e o crónico deficit de cidadania resultam de um passado esclavagista e latifundiário. Este argumento não é disparatado, mas a objecção está no exemplo norte-americano: a cultura do algodão nos estados do sul foi esclavagista e latifundiária na mesma medida, e será pelo menos polémico afirmar que os americanos contemporâneos pensem no seu país como deficitário de cidadania.


Minas, utopias e revoltas.

É quando chegamos à era da actividade mineira que a narrativa ganha intensidade. Também aqui, é revelado um talento inegável para a composição de grandes aguarelas de época. O fresco está impecavelmente construído e detalhado. Mas o que prende mais o leitor será a dicotomia entre a utopia e a violência. A par dos experimentalismos idealistas que emergem nos quilombos (comunidades de escravos fugidos), nas breves experiências republicanas das localidades mineiras e no radicalismo das comunidades jesuíticas (S. Paulo tem origem numa destas comunidades), a colónia vibra de convulsões sociais.

Para além das constantes investidas de holandeses, franceses e espanhóis, a coroa tinha ainda que lidar com revoltas constantes. Em 1661, a Revolta da Cachaça; em 1666, a de Pernambuco; em 1671, a Sergipe Del Rei; em 1684, a Revolta do Maranhão; em 1710, nova revolta em Pernambuco; em 1711, os Motins do Maneta, em Salvador; em 1720, a Sedição de Vila Rica; em 1736, os Motins do Sertão e entre 1780 e 1788, a Conjuração Mineira.  Nestes conturbados tempos, os levantamentos populares aconteciam por dá cá aquela palha. Se não fosse por causa dos impostos excessivos, seria pela corrupção dos governos locais. Agora era o preço do sal, depois seria a proibição da fazer escravos entre os nativos. Há até revoltas que surgem para “acudir ao chamado do sino que alguém – não se sabe quem – tocava furiosamente no alto da torre da Câmara Municipal.

As rebeliões tinham como resultado a morte de jesuítas e governadores, a destruição e saque de propriedade e a tomada do poder local, mas não contestavam a coroa nem sonhavam com a independência. Os rebeldes expressavam geralmente lealdade ao soberano, amaldiçoando sim os detentores do poder intermédio que não defendiam devidamente os seus interesses junto das autoridades na metrópole. Entre eles, há grandes personagens. Gente valente, excêntrica e malandra como o Padre José da Silva e Oliveira Rolim, conjurado mineiro, falsificador, prestamista, traficante, contrabandista e aventureiro. Gente determinada e versátil como o famoso Tiradentes, propagandista da Conjuração, feiticeiro, médico e farmacêutico, que depois de enforcado foi esquartejado. Gente como Frei Joaquim do Amor Divino, mais conhecido por Frei Caneca – revolucionário dos sete costados e grande inimigo da ortodoxia católica do seu tempo. Gente como Bento Gonçalves, o líder da Rebelião Farroupilha e famoso escapista, que, numa das vezes em que se preparava para fugir da prisão, acabou por se resignar ao cativeiro, já que o seu colega de cela, indivíduo obeso, não cabia no túnel que tinham escavado. Gente como os levantados de Salvador que, interrompendo o ímpeto sanguinário para a devida contrição à passagem de uma procissão improvisada com o propósito de serenar os ânimos, retomam a matança indiscriminada com renovado zelo cristão, depois de transitado o cortejo religioso.


Fuga para a colónia.

Entretanto, na Europa, o ambiente é irrespirável, principalmente para o regente D. João, que depois de exasperar Napoleão com a sua lenta, irritante e prudente diplomacia acaba por fazer estalar o mau feitio do imperador francês. Sem margem de manobra e temendo as consequências de entregar a coroa ao desmando de Junot, D. João decide empreender a primeira e única transladação de uma corte imperial para uma colónia na história da humanidade.

O relato da fuga, que se dá já com o exército francês às portas de Lisboa, é entretido, colorido e muito de acordo com a recente e aclamada obra do australiano Patrick Wilcken (4). Apesar da confusão do embarque de 15.000 pessoas num curto hiato de algumas horas; apesar do caos e da precipitação; apesar do desespero de quem ficava, apesar do pânico de quem partia; é bem registado nestas páginas que não houve violência nem se registaram baixas, facto que raramente é mencionado – e valorizado – quando este assunto é discutido. E, apesar da impreparação logística, das 2 tormentas que assaltaram a frota, da falta de higiene, de água e de comida, a viagem decorreu também sem óbitos ou naufrágios, fenómeno espantoso, dado o contexto da odisseia. Ironia das ironias, o exército de Junot chega a Lisboa num estado lastimável, triunfante mas famélico e com pouco mais de 6000 homens, metade das tropas que tinham partido de Espanha.

Não é explícito no texto, mas percebe-se bem, neste capítulo, porque é que os ingleses tanto pressionaram a coroa portuguesa para desobedecer aos ultimatos de Napoleão. Com a ocupação francesa da metrópole, dá-se o fecho do mercado exportador português e francês. Em consequência, os ingleses passam a exportar de tudo para o Brasil, mesmo os artigos mais disparatados, incluindo patins de gelo (!). Dentro da mesma lógica, a crescente hostilidade da coroa britânica ao comércio de escravos no Atlântico sempre aconteceu mais por razões económicas e imperialistas do que por convicção humanista. Enquanto Jorge III governou a América, a mão-de-obra escrava utilizada nos campos do algodão não lhe incomodava a sensibilidade.

Quando D. João e a sua corte chegam ao Brasil, são recebidos por uma colónia onde “pipocam” demonstrações de apoio à coroa e de júbilo pela escolha do Brasil como destino da fuga. A corte instala-se no Rio de Janeiro e, mais uma vez, o relato destes anos é rico em textura e pormenor. Entre a sumptuosidade da realeza e a brutalidade exótica da colónia tropical, há um universo prolixo de contrastes. O Rio é, nas palavras de um viajante inglês “uma das mais sujas associações de seres humanos sob o céu” e o Brasil é “a terra das bofetadas“, única forma eficaz de contrariar a voracidade dos mosquitos.


Finalmente, a independência.

Os anos de exílio da corte no Brasil vão passando e a continuada instabilidade geo-política na Europa leva D. João a permanecer na colónia e a elevá-la a reino e sede do império, 7 anos depois de ter chegado. Com a queda de Napoleão e já coroado Rei depois da morte de sua mãe, D. João decide, em 1821, voltar à metrópole, deixando o filho primogénito, D. Pedro, como regente do reino do Brasil. Mas logo no ano seguinte, D. Pedro solta o famoso Grito do Ipiranga, lenda que as autoras respeitam como se de um facto histórico se tratasse, e que se deveu substancialmente às políticas quezilentas e irrealistas das cortes em Portugal, bem como ao facto mais prosaico de D. Pedro ter sido entretanto deserdado da coroa portuguesa em benefício do seu irmão mais novo, Miguel. Seja como for, em 1822 o Brasil ganha a sua independência.

Todo o processo foi de certa forma inédito: decorreu do transporte da corte para o Brasil e, depois, da instauração de uma monarquia independente pelo herdeiro da coroa imperial, quando na América do Sul a tradição independentista era profundamente republicana. A monarquia, que valeu no Brasil primordial como um polarizador identitário fortíssimo, constituiu uma forma bem-sucedida de manter a nação unida, ao contrário do que aconteceu com os territórios de língua castelhana, que se fragmentaram nas diversas repúblicas bolivarianas que conhecemos hoje. Mesmo assim, tratava-se de um regime profundamente anacrónico e contraditório: liberal e esclavagista, constitucional com tiques absolutistas, o Brasil de D. Pedro não é propriamente um estado do iluminismo. E, apesar da imagem literária do príncipe rebelde, o regime não respirava o oxigénio romântico da altura. Os acontecimentos da primeira Constituinte de 1823, que o Imperador mandou dissolver com argumentos de baioneta e a carta constitucional, draconiana, imposta por D. Pedro em 1824, pesam excessivamente na balança para podermos fazer outra análise.

Mas, algo estranhamente, sem concluir sequer 10 anos de reinado e abandonando os seus três filhos legítimos  (levou consigo apenas a filha bastarda), D. Pedro abdica e parte para Portugal, deixando o país para mais de dez anos de regências. Esta desistência nunca chega a ser bem explicada, na verdade. Podemos no entanto equacionar que o imperador não estaria à espera das contrariedades políticas que decorrem dos estados constitucionais e das complexidades regionais de um reino imenso, multi-étnico e fragmentado. Conta também para este totobola a oportunidade de recuperar a coroa metropolitana. Ironicamente, dado o seu registo de governante conservador, D. Pedro junta-se às hostes liberais, contra o seu irmão, na guerra civil que assola Portugal.

Com a retirada de D. Pedro, recomeçam os levantamentos a sério: a Cabanada de 1832 – reaccionária e restauradora, com 1072 presos e 2300 mortos; o Levantamento do Quilombo de Uribo, o Levantamento dos Malés na Bahia, interpretados exclusivamente por escravos muçulmanos, em 1835; a Sabinada de 1837, outra vez na Bahia; a Revolução Farroupilha ou Guerra dos Farrapos iniciada em 1835 mas que trouxe dez anos de guerra no Rio Grande do Sul; A Balaiada no Maranhão – com 12.000 mortos no ano de 1838; e, como se não bastasse, à convulsão generalizada somaram-se as guerras fronteiriças com o Uruguai e com a Argentina.

Graças à vitalidade própria das nações do novo mundo, e também à precocidade de D. Pedro II, o Brasil soube porém prosperar. O fim das regências trouxe a paz militar e social. O reinado voltava a circular uno à volta de um imperador moderno, finalmente romântico, apreciador das artes e das ciências, sensível e moderado. Pai e filho, os imperadores iniciáticos da nação sempre se preocuparam em encontrar um difícil elo de fusão cultural e estética entre as suas grandiosas origens dinásticas (estes dois Bragança eram também Bourbons e Habsburgos) e as idiossincrasias do império tropical. O filho foi melhor sucedido do que o pai, recorrendo ao imaginário da arte nativista e absorvendo-o como símbolo da coroa.

O ciclo de paz e prosperidade terminou com a Guerra do Paraguai. A vitória, muito pesada em mortos, assinala o apogeu e início do declínio da breve monarquia brasileira. Para além das rebeliões internas e das escaramuças fronteiriças, o Brasil não tinha uma história militar bem sucedida e a guerra com o Paraguai, apesar de ser travada contra uma força muito mais pequena e frágil, durou cinco dolorosos anos e custou cinco mil mortos e 20 mil feridos, dando lastro e margem de manobra aos movimentos abolicionistas e republicanos. Num ápice, o imperador passa a “emperrador”. Dado o seu carácter indeciso e a proverbial tendência para a inação, D. Pedro II assina a abolição da escravatura apenas em 1888, 66 anos depois da independência e 56 depois de ser coroado. Era tarde demais. No ano seguinte, uma operação militar relativamente discreta e sem apoio popular, faz cair a monarquia. D. Pedro II estava completamente alheado do processo revolucionário em curso e era de tal forma desrespeitado pelas elites militares que foi informado da sua destituição por uma comitiva de oficiais subalternos.


Até que enfim, a República.

A república manteve o carácter oligárquico das eleições que a carta constitucional de D. Pedro II tinha estabelecido. E criou uma elite militar que iria marcar a traço vermelho o futuro da nação e que começou cedo a mostrar o seu temperamento difícil. Em 1891, a Revolta da Armada faz cair Deodoro da Fonseca, o marechal que, entretanto, tinha mandado fechar o Congresso. Em 1893, nova revolta na marinha que visava destituir o marechal Floriano Peixoto, vice-presidente de Deodoro, que aproveitou a queda deste para usurpar o poder. Entrementes, eclode uma intentona federalista no sul do país, que dura dois anos. Finalmente, em 1894, cinco anos depois da instauração do regime, dão-se as eleições para o primeiro governo civil. Porém, no Brasil profundo, há forças reaccionárias em ascensão. O coronelismo, uma oligarquia atávica e violenta de latifundiários militarizados e plenipotenciários vai reduzir a margem de manobra da República e criar uma mão cheia de inimitáveis vilões para as futuras produções da Globo.

Esta é a época da imigração. Com a abolição da escravatura, a mão de obra é bem vinda e necessária. Entre 1904 e 1930 chegam 79.000 imigrantes ao Brasil – um terço eram portugueses, mas há italianos, franceses, alemães e até japoneses. Na maior parte dos casos, o sonho de uma vida melhor acabava num destino de servidão. Esta é, também, a era da borracha, que foi breve mas suficiente para aburguesar o estado de Manaus em particular e o Norte em geral. Mesmo assim e apesar de uma visível tendência para a urbanização e a modernização infraestrutural, a sociedade brasileira mantém-se essencialmente rural. E teimosamente instável: os primeiros 20 anos do século XX mostram de novo o país tumultuoso e convulso. Em 1904, a Revolta do Rio nasce pelo descontentamento popular em relação às medidas que visavam erradicar as doenças endémicas. O país é um “imenso hospital”. As pessoas morrem aos magotes, vítimas de cólera, febre amarela, varíola, peste bubónica, doença das chagas, paludismo e uma quantidade inumerável de infecções do tracto digestivo.

De 1910 a 1920, surge um novo ciclo de sobressaltos revolucionários. A Revolta da Chibata, levantamento de marinheiros (ainda e sempre a marinha!) contra a aplicação de castigos físicos, a Revolta da Escola Militar da Praia Vermelha, a Revolta dos Sargentos e a Primavera de Sangue, são movimentos militares. Mas a estes junta-se a proverbial rebeldia civil, com os levantamentos do Contestado, do Jaazeiro, do Caldeirão, do Pau-de-Colher e dos Canudos.

O levantamento de Canudos, talvez o mais expressivo desta época, tem origem numa comunidade com o mesmo nome, que ensaiou uma modesta utopia baseada na pequena propriedade rural. Os vários exércitos enviados pela república foram sucessivamente derrotados até que a última excursão militar, armada até aos dentes, prometeu poupar as vidas dos rendidos, de forma a evitar mais baixas. A promessa foi, no entanto, ignorada e a maior parte da população foi fuzilada. Os poucos revoltosos que sobreviveram à chacina foram viver, em condições miseráveis, para os subúrbios do Rio de Janeiro, dando início à tipologia da favela, uma planta muito comum na região de Canudos.

Para ajudar à festa, a imigração, principalmente a imigração italiana, trouxe o anarco-sindicalismo e a consequente organização política dos trabalhadores, pelo que estes primeiros anos da república foram marcados por um surto recordista de greves operárias. Entre 1900 e 1920 decorreram cerca de 400 (!).
No que diz respeito aos direitos civis, o novo regime não trouxe melhorias por aí além. Os negros libertos e seus descendentes lutavam com enormes dificuldades para aceder ao mercado de trabalho; os índios, que entretanto tinham perdido o estatuto simbólico que a monarquia utilizara para se legitimar, eram agora perseguidos ou ignorados. Por outro lado, a lei eleitoral permanecia extremamente restritiva: numa república de coronéis, votavam em 1930, 5,6% dos cidadãos.


A República segundo Getúlio.

A Segunda República resulta de uma parafernália de conspirações, assassinatos, rebeliões, disputas regionais, fraudes eleitorais e inconformismo com os respectivos resultados. O regime decaia para o caos. A revolução de 1930 é organizada e executada com precisão militar, aniquilando a República Velha e colocando Getúlio Vargas no poder. Getúlio fundou uma ditadura de inspiração trabalhista, que durou 15 anos. Reformou a administração pública e deu direitos e garantias aos trabalhadores, proibindo em simultâneo os movimentos operários e os partidos comunistas. Quando em 1932 o estado paulista ateia a fogueira do separatismo e pega nas armas (“Por S. Paulo com o Brasil, se for possível; por S. Paulo e contra o Brasil, se for preciso.”), Getúlio Vargas conta com o apoio popular e dos militares para ganhar a guerra.

Em 1933 a lei eleitoral concede pela primeira vez o voto universal e as eleições resultam numa constituição tendencialmente inclusiva, que obrigava ao equilíbrio de poderes. Porém, as múltiplas e impenitentes insurreições militares de inspiração marxista nos anos 30 ofereceram a Getúlio a desculpa que precisava para instaurar o estado de sitio e a suspensão dos direitos constitucionais, eternizando-se no poder. Através de uma golpada sem tiros inaugurou em 1937 o Estado Novo – um regime repressivo, que recorria à tortura e, claro, à censura.

A institucionalização do samba e do carnaval, e a curiosa e irónica elevação do mestiço a herói nacional, foram instrumentos da propaganda nacionalista, num modelo de Estado Novo que, seguindo alguns dos parâmetros do fascismo europeu, apresentava fundamentos trabalhistas e corporativos muito particulares.

A participação do Brasil na 2ª Guerra Mundial, ao lado dos aliados, teve como moeda de troca o investimento americano no tecido industrial do país, fenómeno que veio marcar sua a história económica durante décadas.

Pressionado por variadíssimos sectores da sociedade, Getúlio Vargas vê-se obrigado a marcar eleições e 15 anos depois de chegar ao poder, em 1946, concede o acto eleitoral que trouxe de novo a democracia e uma constituição que durou 20 anos. Ainda assim, o ditador regressa nas eleições de 50 à luta política, graças a um habilidoso negócio de alianças em todo o país. A este propósito, há que dizer que a densidade labiríntica da política do século XX brasileiro torna a evolução dos acontecimentos bem  difícil de acompanhar, dada a complexidade de interesses e partidos instalados nas diversas regiões e estados da federação.

Uma vez eleito, Getúlio seguiu uma política de autonomia energética criando a Petrobras e inaugurando os fundamentos da futura Eletrobras. A estratégia de relançamento industrial de base – com investimentos estatais na siderurgia e na indústria automóvel – estavam de acordo com uma economia nacionalista em rota de colisão com o capital internacional. Acto contínuo, os grandes conglomerados industriais norte-americanos desinvestem no Brasil e as instituições credoras pressionam o governo, na firme intenção de liquidar dentro dos prazos o crédito que tinham fornecido ao regime. A queda do governo de Getúlio começa precisamente com a reacção do capitalismo internacional. E acaba com o triunfo dos seus velhos inimigos: A UDN de Carlos Lacerda, as forças armadas e a imprensa.

Um atentado falhado, que pretendia eliminar Lacerda, coloca a força aérea na surpreendente e muito pouco ortodoxa posição de polícia plenipotenciária. A investigação conclui, acertadamente, que por trás do atentado estava o chefe dos serviços de segurança de Getúlio. E, numa busca efectuada ao palácio presidencial, obtém e divulga documentos que põem a nu a corrupção que consumia o regime. Incapaz de aceitar o seu fim político, Getúlio suicida-se e a reacção popular de pesar e revolta travou o ímpeto golpista dos militares.

Mas logo nas eleições de 1955, que elegeram Kubitschek, registam-se levantamentos da tropa, dos quais o mais expressivo é o de Jacarépagua, em 1956; e tentativas de golpe de estado, destacando-se a que resultou de uma conspiração entre a UDN e os militares.


Da Bossa Nova à ditadura militar.

Apesar de tudo, o governo de Juscelino Kubitschek ia sobrevivendo às convulsões, tendo-se afirmado com uma agenda de crescimento económico acelerado, os famosos “50 anos em 5“, que apostava em infra-estruturas industriais e rodoviárias e na economia de consumo. Pragmático e liberal, Kubitschek coloca o nacionalismo na gaveta e permite a internacionalização da economia e a reentrada de capital estrangeiro. Ambicioso, manda construir a cidade de Brasília no planalto central, uma área do território que, na altura, consistia numa espécie de nenhures.

Estes anos de democracia são os anos da Bossa Nova e do Neo-Realismo, fenómenos culturais que iriam marcar o cenário da música, do cinema e da literatura por décadas, no Brasil. Entretanto, no mundo rural, o tempo cristalizou. Reina o sistema de propriedade latifundiária de sempre, e a oligarquia dos coronéis sobrevive às décadas. Por outro lado, a inflação e o aumento do deficit público volta a castigar a economia brasileira.

Jânio Quadros, o presidente que se segue, trai a UDN, que o apoiou nas eleições de 1961, com uma política externa de aproximação a Cuba e ao bloco soviético. Dá-se mal com o Congresso e com o modus operandi da democracia constitucional e acaba por entregar o país a João Goulart, o seu vice-presidente, seis meses depois de ser eleito. Goulart assume a presidência, mas não sem que antes o país fique de novo à beira de uma guerra civil. Porém, a inflação, que rondava os 80%, e a imperícia de Goulart na gestão dos levantamentos militares e das invectivas da oposição deitam tudo a perder: o golpe militar de 64 decorreu sem grandes dificuldades e instalou uma junta totalitária que durou durante 21 anos.

A junta militar retira os comunistas do congresso, alia-se aos interesses industriais e coloca os generais no poder. A política de liberalização e internacionalização da economia e a redução do papel do estado levou ao crescimento económico mas também e novamente ao aumento desenfreado da inflação, que em 1985 iria atingir os 285%, bem como ao agravamento do deficit externo.

A ditadura trouxe aquilo que as autoras designam como “a burocracia da violência”, uma oligarquia militar que utilizava a censura, a eliminação de direitos, a repressão, a tortura e o genocídio como instrumentos de poder. E nos últimos anos do regime o país tinha afinal os mesmos problemas de sempre: desigualdades sociais e económicas gritantes, dívida externa incontrolável, inflação galopante.


De volta à democracia.

Enquanto a primeira fase da luta contra a junta militar era interpretada por forças marxistas (na clandestinidade) e católicas (à vista de toda a gente), a sociedade civil foi exigindo progressivamente o regresso de eleições livres e da democracia. Esta oposição à ditadura tinha no entanto características diferentes. Recusava a luta armada e o apelo revolucionário, preferindo a demonstração nas ruas e a denúncia nos meios de comunicação social. Jornalistas, artistas, intelectuais, ídolos do desporto, estudantes e até empresários empenharam-se no combate, enquanto os operários abalavam o país com greves longas, que resultaram na sindicalização dos movimentos laborais e no nascimento do Partido Trabalhista.

O último general da junta, João Figueiredo, em desespero de causa, promulgou uma amnistia geral: militantes na clandestinidade, presos políticos e activistas no exílio foram perdoados. Esta lei, desgraçadamente, tornou também possível o impensável: garantir a impunidade dos carrascos da ditadura, que ainda hoje são inimputáveis.

A campanha pelas eleições directas de 84/85 teve grande adesão popular, mas foi chumbada no Congresso. Finalmente, em 1985, através da realização de eleições indirectas, Tancredo Neves, o candidato conservador, foi eleito, mas morreu antes de tomar posse. O seu vice, José Sarney, sucedeu-lhe. A constituição da Nova República foi aprovada em 88 e está em vigor até hoje.

Os historiadores seguem geralmente uma regra deveras sensata: os 50 anos anteriores ao momento em que um trabalho é realizado são poupados à análise. Infelizmente, Lilia M. Schwarcz e Heloisa M. Starling não respeitam esta lei de ouro, prejudicando em muito a sua obra. A forma como retratam as eleições que opuseram Collor de Melo a Lula da Silva é tendenciosa e completamente escusada, mesmo considerando o estilo biográfico a que recorreram na construção da narrativa. Todo o texto que se segue à constituição de 88 é um exercício de opinião, incompatível com a ciência da História.


Conclusão: paraíso tropical ou paraíso perdido?

A leitura de “Brasil: Uma Biografia” é, muitas vezes, extenuante. Não por culpa das autoras, que se esforçam, com grande sucesso, em construir uma narrativa vivaz e cativante, mas porque o seu herói é um país conturbado e torturado. Um país turbulento, volátil, rebelde, inquieto, múltiplo. Um pais de levantamentos, golpes de estado, revoluções e guerras civis; um país dividido na sua grandeza étnica e territorial, revoltado contra si próprio, vítima brutal e recorrente das suas forças militares e para-militares.

Um dos problemas orgânicos da nação brasileira decorre do acesso ao poder político por parte das forças armadas. Este acesso foi institucionalizado na Primeira República, mas já era latente no fim da monarquia. A presença das elites militares nas instituições políticas criou um ciclo doentio e violento, que só foi quebrado nos anos 80 do século XX. Até porque a tropa serviu, historicamente, muito mais para resolver problemas internos do que externos. As guerras de fronteira são, paradoxalmente para uma nação tão virulenta, escassas. Mas as intervenções do exército, da marinha e da força aérea dentro dos limites territoriais do país são extremamente frequentes, e frequentemente sangrentas.

O Brasil é também uma nação dividida entre os interesses dos conglomerados económicos internacionais, um forte sentimento nacionalista por parte das elites que governam e o permanente sentimento de injustiça social das populações. A corrupção generalizada, as sucessivas crises económicas, o peso esmagador da dívida pública e a miséria que atinge largas faixas sociais nunca são fenómenos de conjuntura. O país vive estruturalmente assolado por estes problemas de fundo.

A conclusão do livro tem 10 páginas, numa obra de 516, como se as autoras tivessem medo das sua própria síntese, mas começa logo com a desagradável citação de Oswald de Andrade e é, basicamente, um deslocado e propagandístico manifesto em favor de Lula da Silva. A corrupção que grassou no PT enquanto força de poder no Brasil é mencionada, mas cuidadosamente contextualizada como parte do fenómeno que é historicamente transversal no país. Quando até duas prestigiadas historiadoras chegam a este nível de condescendência, começamos a compreender porque é que o Brasil tem dificuldades em resolver os problemas estruturais.

A incapacidade de fazer as pazes com as suas origens também impede os brasileiros de sentirem a pátria de uma forma um pouco mais saudável. Uma nação que deve a sua unidade e muito da sua identidade à língua portuguesa e aos Braganças, que consolidaram um território dividido e que o fizeram independente, devia ter uma atitude mais conciliatória com Portugal. E, mais uma vez, se são até os académicos os primeiros a desprezar a história e a cultura portuguesa, que podemos esperar de todos os outros?

A este propósito, uma última nota. Aceitando como válidas as recentes conclusões da História Contrafactual (5), que dimensionam a disciplina numa perspectiva não determinista, seria talvez pertinente fazermos esta pergunta: se a corte de D. João não tivesse fugido do lamentável exército de Junot, que realidade seria hoje esta realidade a que chamamos Brasil? Provavelmente, um conjunto de estados independentes, e talvez nem todos de língua oficial portuguesa.

Mas não será o Brasil uma nação imensa, precisamente porque causa das suas contradições, da sua dialéctica vivência psico-social, dos seus triunfos e misérias? Tesouro vivo em diversidade humana, mosaico de glórias libertárias e totalitarismos, padrão dos descobrimentos em carro de carnaval, quinto império ao contrário, este é o país da Utopia. Do experimentalismo de um estado novo trabalhista à ditadura militar de vocação liberal, das laboratoriais comunidades rurais e operárias às cidades de libertos, o que não falta na história brasileira são manobras de engenharia social, mais ou menos ingénuas, mais ou menos draconianas, na senda de uma ideia de paraíso. O problema, porém, está naquilo que um argentino, Jorge Luís Borges, sintetizou assim:  “Não há outros paraísos senão os paraísos perdidos.”

Distopia tropical e sonho de uma noite de verão, o paraíso perdido será talvez o tal super-herói desta biografia. Mas com promessas de ser reencontrado.


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(1) Walker and Bailey; “Body Counts In Lowland South American Violence” (ScienceDirect, 2013);

(2) Jared Diamond; “Armas Germes e Aço – Os Destinos das Sociedades Humanas” (Temas e Debates, 2015);

(3) Patrick Wilcken; “Império à Deriva – A Corte Portuguesa no Rio de Janeiro 1808-1921 (Livraria Civilização Editora);

(4) Charles R. Boxer; “O Império Marítimo Português 1415-1825” (Edições 70, 2011);

(5) Niall Ferguson (Coord.); “História Virtual” (Tinta da China, 2006).