sexta-feira, dezembro 21, 2018

Postal de Natal #04



Os 27 livros do Novo Testamento, e alguns outros do Antigo, foram originalmente redigidos em grego clássico. A vulgata latina e a tradição anglosaxónica instituiram  que o substantivo “pecado” e o verbo “pecar” traduzissem a palavra grega “Hamartía” (άμαρτία) que na verdade significa a menos gravosa acção de errar, e que se relaciona com o verbo “Hamartánó” (errar o alvo). Mas atenção: se é verdade que errar é humano - e que não significa, necessariamente, pecar - aos olhos de Cristo o teu erro é trágico. Principalmente o erro no discurso, que produz a mentira, a blasfémia e, nos tempos que correm, as fake news. Falhar no acertado uso da palavra é uma espécie de queda, repetida e catastrófica, num drama dantesco: o eterno incêndio da tua alma. 
 
Há uma boa razão para que as epístolas de Paulo, mesmo as apócrifas, sejam extremamente populares junto dos crentes e bastante apelativas para aqueles que leem a Bíblia pelo prazer da literatura: é que estão carregadas dos pequenos e grandes defeitos que dão textura à humanidade. O apóstolo de Tarso expõe e critica constantemente os desvios para o mal nas assembleias de primeiros cristãos espalhadas pelo Mediterrâneo e rezinga veementemente contra as perversidades e as invejas, as rivalidades e as barbaridades que proliferam entre os seus acólitos. Trata-se, claro, de um eficaz truque da retórica evangelista, porque é precisamente através da indexação das infâmias adstritas à natureza humana que melhor compreendemos o carácter divino de Cristo, o derradeiro super-herói da metafísica: aquele que sobe ao sacrifício da cruz para salvar uma raça infame de idólotras, bandidos e assassinos.