terça-feira, julho 07, 2020

Da razão apocalíptica.

Como sou fraco de cabeça, só ontem consegui perceber porque raio é que o "establishment" defende quarentenas e motins ao mesmo tempo. Porque raio está tão interessado na ruína da civilização, que a recomenda, de uma maneira ou de outra e simultaneamente, de forma assim veemente e despudorada, como se não tivesse sido tão difícil construir esta impossível experiência em que por sorte incrível nascemos e fomos educados. Enquanto é fácil interpretar a razão da turba - a turba, por definição, não tem nada a perder - tem sido nos últimos meses um quebra-cabeças do caraças, para este vosso amigo, descodificar completamente a apologia do apocalipse por parte das elites.

Como sou fraco de cabeça, só ontem consegui perceber que ao processo de armagedão em curso vão sobreviver apenas as grandes corporações. E as grandes corporações da actualidade são tecnológicas. Se ficares em casa, com medo da gripe ou com medo da turba, ficas condenado a consumir tecnologia.

Todos sabemos intimamente que o objectivo último da Netflix é um mundo de consumidores solteiros, assexuados, ateus, indignados com o seu destino e - por isso - infelizes com o universo. Ora, quanto mais infelizes e isolados e amedrontados e fechados a sete chaves nos sete metros quadrados da sua existência forem os clientes da Netflix, melhor para a Netflix. Melhor para a Google. E para o Youtube. Melhor para o Facebook. E para o Instagram. Melhor para o Whatsapp. E para o Tik Tok e assim sucessivamente.

Como sou fraco de cabeça, só ontem consegui perceber que a queda do edifício civilizacional é melhor para as edições digitais da imprensa, no preciso momento em que finalmente, 30 anos depois da web ser a web, começam a entender o que é uma edição digital. Tanto mais que, livres da antiga escolástica do jornalismo independente e criterioso, podem mentir à vontade, soar o falso alarme à vontade, forçar a propaganda ideológica à vontade e servir os interesses dos aparelhos de poder sem qualquer problema moral e - o que é mais - em crescendo moralista.

Como sou fraco de cabeça, só ontem consegui perceber que a extinção da mais bem sucedida cultura da História Universal é melhor para as redes de distribuição, que podem passar a operar sem os custos das grandes superfícies comerciais, seguindo os passos sagrados da Amazon, o grande armazém do fim de todas as coisas. É melhor para os serviços de entrega de plástico ao domicílio, comestível ou não, que empregam mão de obra barata enquanto geram biliões para accionistas incógnitos e manhosos; é melhor para os serviços de saúde, ironicamente, que podem desculpar-se da sua eterna incompetência, da sua inevitável falência técnica, simulando crises epidémicas e projectando os seus quadros como heróis no palco de uma guerra inexistente, enquanto tratam os utentes como leprosos e as famílias dos doentes como párias e os contribuintes como otários; é melhor para os grandes grupos financeiros, que se podem dedicar enfim e apenas à mais espúria especulação, porque já não têm que financiar os pequenos investidores, as pequenas empresas e todo o aborrecido tecido micro-económico que fez do Ocidente um inédito modelo de prosperidade.

É melhor para os aparelhos burocráticos estatais que na verdade nunca conviveram bem com os valores libertários de algumas poucas mais realizadas democracias e que podem enfim ceder às tentações totalitárias e controlar completamente a vida dos cidadãos, num triunfo de Bruxelas sobre a idiossincrasia cultural da Europa, e de Washington sobre a classe média americana.

Melhor para as elites políticas, que acreditam que podem simplesmente fechar os eleitores em casa e garantir ainda assim o seu voto ao subsidiá-los com moeda impressa a torto e a direito, sem qualquer relação com a realidade económica (até porque afinal a economia é uma ilusão).

É melhor para o Partido Comunista Chinês, que depois de debilitar o Ocidente de todas as maneiras possíveis e imaginárias - inclusivamente a maneira biológica - pode finalmente exercer de forma plenipotenciária o seu domínio sobre o planeta, sem escrutínio, sem oposição filosófica ou militar, sem vergonha da sua terrível história de genocídios e despotismos.

É melhor para as academias, enfim livres para perseguir os seus corruptos e pós-modernos sonhos de criação de uma elite estática e marxista, que aniquila o mérito, a transcendência, a liberdade de expressão e o pensamento dialéctico, Que prescinde do método científico e da tradição judaico-cristã de forma a consagrar o niilismo de valores distópicos, impostos sem contraditório.

É melhor, obviamente, para as indústrias médicas e farmacêuticas que, entre testes e vacinas, verdades e mentiras, encontraram um novo filão áureo.

É pior para todos os outros, noventa por cento da espécie humana, que é como quem diz: pior para ti, para os teus filhos e para as pessoas que amas, que passam a viver isoladas, desempregadas, desenraizadas, aterrorizadas pelo telejornal e hipnotizadas pelas redes sociais, onde aprendem que afinal são racistas e homofóbicas e que os seus antepassados não passavam de bárbaros esclavagistas e que a história das suas nações é uma rábula de sangue sem sentido nem honra; sem coragem, nem glória.

É pior para as famílias, que deixam de existir, porque o elo de sangue, imprescindível e fundamental  cimento das sociedades, passa a ser obsceno; porque a diferença entre sexos - uma das grandes riquezas da condição humana - passa a igualdade de género; porque a sexualidade é sexista.

É pior para as sociedades, que perdem a sua mobilidade e as suas dinâmicas naturais. Que perdem criatividade e vitalidade e resiliência. Que passam a mera retórica, num contexto de limitação máxima do contacto físico e espiritual entre os seres humanos.

É pior para os pequenos e médios negócios, reféns de medidas sanitárias draconianas, que mudam de quinze em quinze dias, aniquilados pelos sucessivos e compulsivos confinamentos, suprimidos pela extinção da livre iniciativa, que é o motor de todo o são capitalismo.

É pior para o individuo, que, espoliado de um sentido para a vida e de uma função na sociedade, roubado da metafísica e desprovido dos direitos constitucionais que o impediam de ser esmagado pela força gravítica do colectivo, será censurado no seu arbítrio, condicionado nas suas opiniões, manietado de todas as formas e acorrentado a uma verdade oficial indiscutível, mas estéril.

É pior para a humanidade em geral, agora submetida a uma nova idade das trevas, talvez a mais terrífica, talvez a mais duradoura. Uma época neo-medieva em que a internet não promove o conhecimento, mas a ignorância. Em que a tecnologia não serve o progresso, mas a regressão. Em que a inteligência artificial não complementa nem valoriza o factor humano, reduzindo-o à irrelevância. Em que industrialização não alimenta a civilização, mas alimenta-se do seu declínio. Em que a educação é condicionamento ideológico, a informação é propaganda, o entretenimento é moralista e a moral foi falsificada.

Já é tarde de mais, parece-me, para inverter o processo. Ficámos todos confortavelmente instalados no sofá da nossa irresponsabilidade - ou cobardia - a ver as coisas acontecer, numa passividade obscena. E assim, nem vos posso desejar boa sorte. Não há sorte que salve a civilização ocidental deste destino funesto.

Podem talvez rezar. Rezar com fervor pelo futuro dos vossos filhos.