quarta-feira, agosto 04, 2004
De que é as senhoras estão a falar?
“Whom did I meet? Nobody. I'd heard of Gertrude Stein, but I don't remember having heard of Picasso at all. I used to go to the cafés at night and sit and watch. I went to the theatre a little. Paris had no great or immediate impact on me.”
- Eward Hopper sobre a sua estadia em Paris, por volta de 1906 -
Este não é o meu quadro favorito do Hopper. É, apesar disso, o mais indisciplinado, razão suculenta para o trazer à conversa. Edward Hopper foi rei e senhor do império do subliminar e a sua obra estática enche-se de movimento na nossa inteligência. Foi o mago da geometria da alma na cidade vazia e as suas representações minimais tornam-se barrocas no nosso entendimento. Foi o realista supremo do silêncio e da inocuidade e as suas telas despidas, adornam-se de trajes ocultos no quarto de vestir da nossa sensibilidade. Este introspecto e circuspecto génio da arte moderna, vingança iluminada da gente vulgar, virtual campeão da classe média americana, ele mesmo, a antologia da banalidade, que viveu em Paris nos dias de triunfo dos modernistas sem nunca dar com eles nas ruas e nos cabarets onde os procurava; que passeou pelas urbanidades todas da arte europeia sem deixar esperma nem receber dentada; Edward Hopper, esse lado obscuro da lua numa noite de lua nova, nunca afirmou coisa nenhuma: deixou apenas vestígios. Pistas. Suposições. Adivinhas. Charadas. De que é que estas duas senhoras estão a falar? O que eu leio, no reclame do lado de fora da janela, é SEXO. Estas duas senhoras, de ar diletante e de sobremaneira entediadas pela intimidade comezinha do café de bairro, conversam sobre sexo. Não é que esteja lá escrito com todas as letras, não. Mas está-se mesmo a ver. E isso não é de um quadro de Edward Hopper, senhores, que o homem desleixou-se aqui, na sua missão estética de monstro enigmático.