quinta-feira, novembro 10, 2005

A Deriva do Continente.

Mais uma noite em que Paris ardeu.
a CNN transmite o velório de Platão
e, sem engano, também Adriano morreu
na trama de um programa de Televisão.

A França chora Descartes, decapitado
e Emile Zola acaba de perecer.
Jesus ficou na cruz, e eu sintonizado
fico de bico calado a ver: Paris a arder.

Mais uma noite em que Paris ardeu:
Kant caiu nas chamas da redenção,
Rousseau naufragou e Espinoza faleceu
na auto-estrada danada da informação.

Viúvas vão a carpir! Homero foi fuzilado
e deixado no fosso a apodrecer.
Enquanto Aristóteles é enterrado
fico quieto e calado a ver: Paris a arder.

Mais uma noite em que Paris ardeu:
chegam as notícias do fim de Napoleão
e do fausto funeral de Ptolomeu
em directo pelo recto da televisão.

Todas as noites Goethe é apedrejado
e outras será até que se deixe morrer.
Churchill foi julgado e condenado
e eu fico calado a ver: Paris a arder.

Mais uma noite em que Paris ardeu:
a Voltaire sobreveio-lhe um apagão,
Sócrates pegou no cálice e bebeu
a cicuta da puta da informação.

Alexandre o Grande foi executado
Nietzsche foi internado e Marx a saber
por vinte vezes foi sem dó supliciado.
Estou só e calado a ver: Paris a arder.

Mais uma noite em que Paris ardeu:
por ordens desta santa inquisição
Cromwell, Lutero e Montesquieu
são crucificados nos apanhados da televisão.

Esta noite será, um dia, fúnebre feriado,
Cícero e Suetonio deixaram de viver
e à hora em que Gibbon foi guilhotinado
Sei que fiquei calado a ver: Paris a arder.