terça-feira, dezembro 13, 2005

À escuta das Vozes da Poesia Europeia - II

Celebrando a feliz edição da revista Colóquio Letras - que traz à estampa, em três cuidados volumes, as traduções que David Mourão-Ferreira fez da poesia europeia.

Image hosted by Photobucket.com

CATULO, IPSITILA, LÉSBIA E O MARIDO DELA.

Gaio Valério Catulo (84 A.C.- 55 A.C.) foi um dos mais influentes poetas romanos do seu tempo e por muitas e saborosas razões. Vanguardista doido, teve a coragem de mandar às urtigas o cânone homérico, trazendo para a poética as coisas mais pequenas e saborosas da vida quotidiana. Nada de telenovelas divinas ou da improvável glória dos guerreiros facínoras, maiores que a própria vida: a verdade é não haver heróis que se aguentem à bronca do dia-a-dia, nem força na multidão que transcenda o egotismo, e a poesia precisa é da humanidade corriqueira, do individualismo e da pilhéria, da contestação e do escândalo. Em vez do sal épico, a pimenta erótica. Por oposição ao formalismo estético, a diatribe lírica.
David Mourão Ferreira escolhe 3 obras deliciosas que reflectem bem o espírito desta romanesca figura, imparável beijoqueiro e valente fornicador. Lésbia, personagem que inspirou frequentemente o líbido e a veia do poeta, será muito provavelmente a mulher de um infame contemporâneo (Cláudio Pulcher), embora o seu nome decorra da alusão à poetisa Sappho de Lesbos (séc. VII A.C.). Sobre Ipsitila, não encontrei referências, mas perante a natureza do Convite, é ajuízado deixar que a memória da musa permaneça no anonimato. Eis portanto Catulo, o menino terrível da Grande Alcova do Império Romano.


CONVITE A IPSITILA

Como eu queria, ò doce Ipsitila,
que me fazes arder, delícia amada,
fazer contigo a sesta neste dia!
Se te apetece o mesmo, se te agrada,
a porta deixa então só encostada...
E não saias de casa. E me convida...
Prometo que serás bem fornicada
ao todo nove vezes de seguida!


A LÉSBIA

Vivamos, Lésbia, amando,
e que não nos perturbe
o cansado murmúrio
de quem envelheceu.
Podem morrer, nascer
seguidamente os sóis:
a nós porém, assim
que a breve luz nos foge,
logo nos é forçoso
dormir a inteira noite.
Beija-me cem, mil vezes,
inda mais cem, mais mil,
agora mil, e cem...
Depois, quando fizermos
tantos milhares que nem
os possamos contar,
baralhemos a conta,
para evitar que alguém,
sabendo o número exacto,
nos venha a invejar.


AO MARIDO DE LÉSBIA

Se Lésbia me difama em frente do marido,
eis logo o imbecil no auge da alegria!
Pois não entendes, burro? O silêncio, o olvido
seriam bem melhor... E se ela me injuria
é não só por se recordar ainda
mas porque no seu peito a chama não se extingue!