O Porto é uma cidade estranha. Viramos uma esquina e passamos da miséria urbana ao fausto burguês. Dobramos uma ruela - vindos da opressão caótica e suja e parda e sem horizonte - e abre-se um cenário irreal de metrópole rebelde, altiva e sensual. É o inverno cosmogónico que faz implodir a luz. É das trevas que provém o brilho intenso, a vaidade.
O Porto é uma cidade estranha. Fechada dentro de si, mostra ao Douro apenas a roupa interior da Ribeira, as masmorras do carvão e os tentáculos das pontes breves. A baixa esconde-se por detrás de ruínas e decadências, de neblinas e cercos e muralhas tão antigas como o medo dos homens.
O Porto é uma cidade estranha. As fachadas têm um peso específico para além das leis da física e amontoam-se entre um grafismo lúgubre e o chic burguês da virtude comercial. Há qualquer coisa aqui que não faz sentido, mas que me seduz. Há uma arquitectura que apodrece com magnificência. Há um respeitável modernismo entre o bolor das eras.
O Porto é uma cidade estranha. As igrejas amarram-se ao chão como se estendessem raízes à procura de Deus no centro da terra. As torres quiméricas que apontam ao céu; rasgando, desafiadoras, o horizonte monolítico; são enrugadas e rendilhadas pela gravidade e o ar é de uma densidade alienígena: doem-me as costas da carga que trago por não ser daqui.
O Porto é uma cidade estranha. Na Foz, a urbe confronta-se serenamente com a ferocidade do Atlântico, sacrificando às ondas a alegria do Sol. Em S. Bento, escoa-se a vida pelo fluxo ferroviário do mistério. No Paço Episcopal, passa-se droga e trocam-se anedotas. As formas e as funções incompletam-se e confundem-se na paisagem como uma aguarela que não foi acabada porque o génio morreu. E quem sou eu para perceber isto?