segunda-feira, agosto 03, 2009
Velazquez e o sacrifício.
Esta é a minha representação favorita de Cristo na cruz. Talvez inspirado pela viagem que, dois anos antes, terá feito a Itália - para admirar in loco os mestres do renascimento - Velazquez opta por um registo sóbrio embora de grande intensidade dramática, num trabalho despido de artifícios biblícos mas magnificamente ornamentado de espinhos e pregos e feridas e sangue e sofrimento. Cristo está aqui a sós com o seu destino, face a face com a morte, na noite profunda do sacrifício.
Nenhuma representação (e muito menos esta) faz justiça a este quadro. Está no Prado e só a textura e a diversidade mais que súbtil dos negros de fundo merece uma hora de pura contemplação. Depois de ter visto esta obra é impossível classificar Velazquez no âmbito do Barroco. O homem transcende escolas e maneirismos porque, não estando atrás nem à frente, está para além do tempo.
Acresce que o sacrifício de Cristo me parece um tema particularmente contemporâneo. Agora que uma certa civilização ocidental vive aparentemente esquecida (ou ignorante) de que não há glórias sem sacrifícios. De que é preciso morrer para salvar. De que é preciso retribuir em lágrimas as alegrias: lamentavelmente, não há almoços grátis na cadeia de fast food que é a história dos homens. E Cristo está aqui exposto e nú, está aqui profundamente humano, está aqui frágil e moribundo para o provar.