Dizem-me que eu não viajo e perguntam-me porque é que não viajo.
Afinal, não sou um ignorante:
Devo concerteza perceber as vantagens e as glórias do turismo.
Querem que eu vá andar de bicicleta com eles
Ou que, pelo menos, vá ao ginásio suar com as multidões.
Dizem-me que é o preço a pagar pelo que fumo, pelo que como, pelo que bebo.
Sugerem o prazer de apanhar caixinhas
Que foram cuidadosamente escondidas
Algures nos interstícios do mundo.
Mandam-me para o médico com a mesma leveza insustentável
Com que me convidam para passear quilómetros sobre caminhos de ferro.
Fazem-me propostas irrecusáveis, tentadoras, fascinantes, exóticas, saudáveis!
Mostram-me clubes de desconto e restaurantes vegetarianos,
Roteiros e spas, resorts e pousadas e bares gay
E estrelas da mtv e youtubers e vídeos engraçados e fotografias pornográficas
E smart-phones e ipads e aplicações para processar os terabites disto tudo.
Recomendam-me vivamente, de olhos brilhantes, a dieta, a natação e o Nespresso,
Fazem planos para mim e por mim, sonham alto com a minha vida.
Parecem sinceramente preocupados comigo,
Como se me faltasse algo de fundamental,
Como se tivesse sido expulso de um qualquer e suspeito paraíso
E ainda nem tivesse dado por ela.
Ora, eu que acho simplesmente que tenho aquilo que mereço;
Eu que habito paraísos perdidos e não sei trabalhar com gps
E que por isso mesmo não podia nunca ser aceite no tal clube
Das pessoas que procuram caixinhas;
Eu que já faço desporto bastante, considerando o que me cansa;
Eu que acho, como o outro, que a Austrália é um país lindíssimo,
Desde que não me arrastem para lá;
Eu que não quero saber onde é que podia estar neste fim de semana
Porque na verdade só queria estar aqui, no carinho do meu escritório
A escrever precisamente estas palavras;
Eu que não tenho paciência nenhuma para o que a maior parte das pessoas
Acha que é engraçado ou divertido ou interessante ou saudável;
Eu, logo eu, que fico super constrangido com os gostos dos outros;
Eu que quero apenas ficar aqui quieto, no embalo do Steve Reich
E da trovoada que anuncia o Inverno;
Eu quero lá saber.
Todos vamos morrer e vocês também.
Vocês que andam pela vida de bicicleta e que fazem caminhadas,
Vocês que já encontraram cinquenta caixinhas no labirinto do inferno,
Vocês que têm assinatura no Holmes Place e que fazem a dieta da Primavera,
Sim, sim, sim,
Vocês vão morrer na mesma e - calhando - alguns até vão morrer primeiro que eu,
Porque a ciência é uma fraude,
O corpo humano é um mistério
E Deus não é um estilo de vida.