sexta-feira, fevereiro 17, 2012

Carreira 28


POR ARTUR PAIXÃO


Carreira 28. Campo de Ourique / Martim Moniz. Viagem de marcante sabor turístico, muito aprazível, percorrendo, ronceiramente, a Estrela com a sua mui digna catedral, cruza o Chiado, desce ao centro da baixa Pombalina, sobe até à Sé, roça a feira da Ladra e o casario de Alfama, empina-se até a Graça após o que desce os Anjos para desembocar na Almirante Reis e tranquiliza-se, por fim, no Martim Moniz para retornar pela mesma via ao ponto de partida,
Não há outra carreira que proporcione lugares tão fascinantes de Lisboa.
Espreito pela janela a que me encosto os pequenos grandes detalhes do percurso descobrindo novos aspectos que aqui e ali antes se me haviam escapado.
- Dá-me licença? O sujeito acomoda-se a meu lado no único banco disponível, pequenote, sessenta e tal anos, descarnado, com um tufo de cabelos grisalhos na meia calva.
- Uma viagem muito agradável esta, não acha? Faço-a todos os santos dias e não me canso nunca, a caminho do meu maldito psiquiatra. E a verdade é que sempre se descobrem coisas novas pelo mesmo caminho, novidades nas coisas por onde se havia passado sem que as tivéssemos topado.
- É verdade. Também acontece comigo.
- O que me falta ultimamente nestas viagens é a companhia da Greta Garbo ou da Grace, aquela deliciosa senhora do Mónico, que se espatifou com a caranguejola precipício abaixo, lembra-se?
- Desculpe mas a Greta não deve ser do seu tempo e não me perece provável que a adorável princesa Grace pudesse viajar consigo na 28. Estão ambas fora do seu tempo e realidade
- A Kim Novak , uma mulher espantosa, disse-me exactamente o mesmo, docemente encostada toda aquela sumptuosidade no meu ombro, mas como discordar daquela opulência? Porque sabe? Não se trata duma questão de realidade ou tempo mas mais precisamente de colagens às coisas do espírito. O meu psiquiatra é precisamente da mesma opinião. Diz-me que recebe com frequência a Monroe e o Stalone e outros notáveis presentes e passados em perfeita sintonia quanto à sua competência nesta difícil ciência. Claro que vejo na sua evidente complexidade de discordância senão de arrogância um sinal tão evidente como a exibição dessa agressiva gravata dum encarnado intolerável em contraponto com a garridice da minha camisola verde.
- Talvez deva mudar de psiquiatra…
- Claro que não e essa observação foge à questão dado que o doutor é um ferrenho simpatizante do Belenenses e precisa, coitado, do meu apoio. O amigo é, evidentemente do Benfica eu do Sporting, esse grande pilar do desporto nacional o que, de há muito tempo a esta parte me arrasta para o homem do Belenenses, derreado por uma depressão prolongada porque se as coisas não mudam em Alvalade e depressa, afundo-me num problema sem saída.
- Essas coisas da Greta, da Grace, da Kim Novak e outras que tais mais do seu assistente psiquiátrico não fazem sentido.
- Tem razão com certeza. Diga-me, onde está o Belenenses? Onde pára o Sporting, esse desgraçado grémio falido a quem como que religiosamente contribuo com a minha quota mensal sabe Deus com que sacrifício para me remeter afinal para um achincalhante motivo de troça permanente? E os senhores de sorriso aberto, escarninho, inchados como patos ao vento. Ainda ontem, trocando impressões com o filho do meu grande amigo Kirk Douglas, chegámos à conclusão que há que fazer tábua rasa deste inadmissível desclassificado e escarnecidosportinguismo, e começar do zero nem quem seja nos distritais.
- Não é caso para isso. Não desespere. Haja esperança homem. São ciclos.
- Esse é o tipo de conversa que tive com o Obama que é primo afastado do Hulk. Não vou nessa e ele também me pareceu apreensivo e que de momento o Partido Republicano proibe-o de tentar reunir fundos para reabilitar uma entidade falida. Tanto mais que até o José Eduardo dos Santos, de mãos dadas com o BCP, não querem nem ouvir falar do assunto, muito menos o estafermo da Merkel.
- Pois meu amigo, a situação está preta. Chegamos ao fim da linha. Mas se isso o ajuda a verdade a que a minha gravata encarnada é um pretexto para não me chatearem. É que na verdade sou um sportinguista de pequenino, de raiz.