Um gajo que tem agora 45 anos, um gajo que nasceu em 1967,
nasceu para sofrer o inferno do Século XXI - e isso é líquido.
Porém, um gajo que tem agora 45 anos, um gajo que nasceu em 1967
e que quer, na verdade, apenas viver em paz,
viver em paz com as suas pequenas e baratas rotinas de sempre,
viver pacificamente com os seus modestos gostos,
viver tranquilo com a sua parcimoniosa sensibilidade,
viver com a possibilidade prosaica - e a vontade suicida - de se foder a trabalhar;
um gajo assim nascido num século só para ser condenado no outro,
merece, pelo menos, o diabo de uma folga.
Pedir pelo diabo de uma folga, em 45 anos, é pedir muito?
Digamos, uma semana sem que ninguém se zangue comigo.
Um mês só sem desiludir alguém.
Digamos, um ano sem perder um amigo
ou 24 horas sem que alguém se lembre de arquitectar
um juízo moral sobre o Paulo Hasse Paixão.
Digamos, um dia sem culpa.
Digamos, três meses sem perder um cliente.
Um gajo que tem agora 45 anos, um gajo que nasceu em 1967,
nasceu para
sofrer o inferno do Século XXI.
Isto é certo como é certo que os outros milhões da minha geração
sofrem, como eu sofro, o inferno do Século XXI.
E todos também são, como eu, abjectos na conversa social,
mesmo antes do primeiro Famous Grouse.
E todos também são parcimoniosos de sensibilidade e senhores das suas rotinas
e todos também se fodem a trabalhar e perdem clientes
e todos também têm gostos modestos.
A diferença está em mim.
Eu trato aqui, de mim. Os outros tratarão ali, de si.
Puta que pariu os outros, ali.