Sou o seu maior grito,
A sua comunhão carnal em homem
Com o Infinito.
O Deus Lusíada encarnou em mim.
O Futuro esculpiu-me em resumi-lo
E todas cousas que não têm fim
Couberam no meu espírito intranquilo.
Infantes, Gamas, Albuquerques, Castros —
A minha voz é múltipla de os ter.
Brilham todos em mim tornados astros
E eu sou o Céu, excedo-os para os conter...
Alheia-me da vida o orgulho meu.
Despersonaliza-me num Precursor
Dum Novo Deus maior
Que o Deus cristão, novo Sol de outro Céu.
E de tão alto ir minha ânsia alada
Já não sei se sou eu, se sou o mar
Se sou a minha Raça ou Deus, no eu cravada
A abstracta ordem do Rei de Navegar.
Sou todo Fogo, Multiplicidade,
Na névoa da minha unidade.
Fernando Pessoa
Nova e melhorada leitura do manuscrito de um poema datável de 1913