Porque raio é que o passado é sempre diferente do futuro (e vice-versa)? Desde Heraclito que o bom senso no diz que não nos podemos banhar duas vezes no mesmo rio, na medida auto-evidente de que as águas do primeiro banho não são as águas do segundo, mas a verdade é que a física sempre teve uma enorme dificuldade em demonstrar esse facto trivial e empirico. Isto, até que a cosmóloga portuguesa Marina Cortês, do Observatório Real de Edimburgo e do
Centro de Astronomia e Astrofísica da Universidade de Lisboa, em colaboração com o físico teórico norte-americano Lee Smolin, do Instituto
Perimeter, viraram o espaço-tempo newton-einsteiniano ao contrário para explicar, num trabalho que acaba de ganhar o Prémio Buchalter de Cosmologia, porque é que as coisas são como são e não de outra maneira, aproveitando também para aproximar, no processo, os desavindos universos da macrofísica e da mecânica quântica.
E nada melhor que as palavras de Marina Cortês, em duas entrevistas ao Público, para uma boa síntese do trabalho:
"Queremos descobrir por que é que o tempo está sempre a avançar e
nunca recua. É uma pergunta muito razoável. O Universo no seu conjunto
evolui de uma forma que é irreversível.
A física é a única ciência em que todas as leis
funcionam tanto para a frente como para trás, porque as nossas equações
não incluem a direcção do tempo e essa é uma das razões por que é tão difícil desenvolver uma teoria
da gravidade quântica, que é o Santo Graal da física.
Na física tradicional, quarks e electrões são partículas fundamentais
no sentido em que não se podem dividir em partes mais pequenas. Ora, se usássemos uma lupa para ver o espaço-tempo de muito –
muito – perto, veríamos que é feito de elementos (que nós chamamos
eventos no nosso artigo) que não são nem espaço nem tempo. Portanto, o
espaço-tempo pode ser ainda dividido em partes mais pequenas.
Estes eventos
fundamentais do Universo são
instantes de tempo. Tal como um relógio faz
tique-taque, podemos imaginar que o tempo é uma máquina que produz
instantes de tempo, um após o outro, após o outro... Cada instante é um
desses eventos. E o que nós dizemos é que não é possível usar uma lupa
para decompor os instantes de tempo em partes mais pequenas. São a coisa
mais simples que existe e são a parte mais importante do Universo. E
tudo o que nós vemos e observamos é feito destes instantes de tempo."
Esta atomização do tempo - e consequente despromoção do espaço para a categoria da ilusão - pode resolver alguns problemas fundamentais aos físicos teóricos contemporâneos. É elegante, faz sentido e confirma, com belíssimas equações, um conselho de amigo: nunca tentes voltar àquele sítio onde foste feliz.
Pdf do paper premiado aqui: The Universe as a Process of Unique Events - Cornell University Library