"Caí pela escada abaixo subitamente, 
E até o som de cair era a gargalhada da queda. 
Cada degrau era a testemunha importuna e dura 
Do ridículo que fiz de mim." 
Álvaro de Campos
A
 pior queda que Deus inventou não é aquela bíblica, do Homem Original. A
 pior queda, a queda livre e absoluta, é a de malhar no ridículo.
Convenhamos:
 o gajo que come a maçã proíbida na perspectiva de uma pinocada gratuita
 é tão trágico como um pomar. Mas o gajo que dá uma trinca no fruto 
seminal sem perspectiva de pinocada alguma é trágico como Wagner. A 
intensidade da tragédia não tem comparação por causa do índíce de 
ridicularia: Adão tinha uma razão para a queda aparatosa - uma razão 
sensata e válida que toda a gente dotada de orgãos genitais percebe 
perfeitamente. Acabou por fazer má figura. Mas não fez figura triste. E 
não há pior tortura para o homem moral que o suplício de fazer triste 
figura. Daí Cervantes: o Adão que cumpre a asneira histórica de trincar a
 maçã sem sequer ter a intenção de dar a queca na gaja é completamente 
quixotesco. E cai rapidamente na pior espécie de teatro grego que pode 
existir na história universal da literatura: o circo do ridículo.
A
 tragédia, como é claro, não advém da realidade; é, ao invés e 
invariavelmente, o produto de uma ilusão ou o resultado de um equívoco. É
 que não há tragédia sem farsa e não há existência sem a presença do 
ridículo. Na verdade, é precisamente com o rídiculo da existência que os
 deuses se vingam de nós.
