Ontem li na Sábado um artigo do José Pacheco Pereira que me deixou com o queixo ao nível do mar. Reparem só neste meio parágrafo:
"Ouvindo estas vozes, exigindo que a única política europeia seja "levar o
Syriza à derrota" para evitar o contágio, sem transigências e com toda a
dureza, eu penso como nestes últimos anos nós não tivemos só discussões
políticas e ideológicas (poucas aliás, a sério), alimentámos o mal. O
mal. Nalguns sítios da nossa sociedade gerámos, alimentámos, engordámos,
trouxemos à luz do dia gente má, muito má, que mandou e manda em nós,
instilando arrogância, desprezo pelos mais fracos, insensibilidade face à
miséria, gente que olha os gregos como se fossem untermenschen."
Deuses. Parece que, para JPP, quem acha apenas justo e prudente que os gregos paguem o que devem é uma espécie de acólito de satã. E quem, como eu, não vê de ânimo leve a ascensão do Syriza aos círculos mais altos do poder na Europa, não passa de um sádico. O maniqueísmo escandaloso e, de certa forma, doentio, que JPP usa abundantemente como figura de estilo neste texto, não está à altura do seu perfil intelectual, é estranhíssimo e, sobretudo, preocupante.
Percebo que JPP se sinta nostálgico de uma revolução qualquer e a qualquer custo, mas não é de certeza o Syriza que a vai fazer, porque a Grécia precisa de dinheiro muito antes de precisar de revoluções.
Percebo que defenda os cidadãos europeus que fazem sacrifícios e passam mal e perdem empregos e caem na miséria. Mas, caramba, porque raio é que o distinto historiador e opinion maker decidiu acreditar que Tsipras e Varoufakis e companhia vão conseguir inverter a tendência de descida na qualidade de vida dos gregos? No preciso momento em que escrevo este texto, Wolfgang Schäuble, o inflexível ministro das finanças alemão, acabou de deixar o seu congénere grego com um sorriso amarelo de todo o tamanho ao anunciar em conferência de imprensa conjunta que "concorda em discordar" com o seu congénere, assumindo a ausência de qualquer acordo e reiterando que a Alemanha já ajudou a Grécia mais do que seria razoável. As perspectivas de curto e médio prazo para uma redução da austeridade na península helénica não podem ser optimistas. Ao invés, as coisas podem começar a correr mesmo muito mal. Se a Grécia sair do Euro, o que é que o JPP pensa que vai acontecer ao povo grego? Os actuais e sofríveis níveis de vida vão cair rapidamente, de tal forma que o actual período de austeridade trará lendária nostalgia àqueles que JPP agora defende: os pobres vão ficar mais pobres, os remediados vão ficar menos remediados e assim sucessivamente até ao caos absoluto da economia e da nação.
Isto já para não falar do conjunto de valores niilistas e absolutamente anti-civilizacionais que estão escarrapachados no programa político do Syriza e que transporta o entusiasmo retórico de José Pacheco Pereira para um patamar de non-sense só admissível numa rábula dos Monty. Tenho a certeza que o notável autor não tem qualquer simpatia pelos fundamentos ideológicos desta gente. E que os acha tão perigosos como eu.
Mas, assim sendo, a que se deve este recurso aos abismos do bem e do mal, esta insidiosa arquitectura moral, este fascismo ético?
Sinceramente, há coisas que não se percebem. E eu cada vez percebo menos das razões que movem Pacheco Pereira.