Escrevo agora do desastre,
porque do acidente que sou ente,
já escrevi, certa vez.
Não há na minha vida a história
de uma decisão certa ou esperta,
nem um momento de lucidez.
Escrevo agora do desastre,
porque escrita já foi a desdita
e desfeita a desfaçatez.
É tempo de dizer de memória
os fracassos que são como os maços
de tabaco: por dia dois ou três.
Escrevo agora do desastre
que sou por inteiro e do dinheiro
que não tenho p'ra mais de um mês.
Não há na minha rota a Pretória
de uma ideia boa, de uma nova Lisboa
com versos em japonês.
Escrevo agora do desastre,
porque do acidente fui agente
secreto, em discreto xadrez.
É tempo de registar na irrisória
agenda, os disparates e os dislates
que são por dia dois ou três.
Escrevo agora do desastre,
do acidente já escrevi o suficiente
e com realista acidez.
Não há no meu discurso a oratória
do tribuno proverbial, eterno animal
do bom senso burguês.
Escrevo agora do desastre
que sou inteiro e do dinheiro
que não me paga a altivez.
Não há na minha vida a história
de um fracasso: são vinte por maço
e por dia dois ou três.