quinta-feira, janeiro 21, 2016

As calcinhas da Marisa


POR MÁRCIO ALVES CANDOSO

Convém não ler demasiado depressa os textos que, supostamente, se citam. E enquadrá-los. Estive a ler um discurso de Marisa Matias - uma candidata simpática de uma ideologia antipática - em que às tantas a moça soltava o seguinte sound bite: 'A fauna humana divide-se em homens, mulheres e calcinhas, sendo que estes últimos são aqueles que gostam de tudo'.

Enfio a carapuça do candidato que apoio, Marcelo Rebelo de Sousa, percebendo perfeitamente que é a ele que ela quer adjectivar.

Ora bem. O epíteto tornou-se famoso entre as hostes literatas por graça do escritor angolano, de ascendência portuguesa, Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, mais conhecido por Pepetela. Ele usa-o em pelo menos uma das suas obras, que é um dos seus livros mais recentes. Quem quiser vá ler, que a mim não me apanham a perder tempo com mais do que a sinopse da novela em causa.

Ao leitor menos avisado, os 'calcinhas' poderão ficar mal na boca de Marisa Matias. Ora se há homens, mulheres e... outra coisa, uma pessoa até duvida da Marisa. Mas não é nada disso. Os 'calcinhas', na tradição popular racista angolana, eram aqueles africanos mais inteligentes e letrados, por vezes assimilados pela civilização colonial, que se destacavam entre os outros pelos estudos e funções que ocupavam. O 'matumbo', nome porque era conhecido o indiferenciado indígena - algo assim entre o nosso bimbo e o parolo -, não gostava e invejava o 'calcinhas'. Claro que Pepetela, atacado pela entropia clássica do esquerdismo, que confunde a classe social definida por Karl Marx com a inveja e a maledicência - a coberto de ser um escritor 'popular' -, enviesou o 'calcinhas' de modo a que parecesse um lacaio do patrão. Um tipo que falava bem português, não raras vezes mestiço, que comia de faca e garfo - a sério, estas coisas contavam - e que andava... vestido de calças, era um 'assimilado', um tipo que negava a sua 'cultura' africana.

Podia Marisa ter estudado? Podia. Mas assim era 'calcinhas'. E ela não quer tal coisa. Valha-nos, ao menos, que Marcelo é letrado.