O primeiro Orçamento do Estado do Governo de António Costa é um eloquente testemunho documental de como vivemos num país com dois pesos e duas medidas, conforme se trata da esquerda ou da direita.
Um governo de esquerda que cede brutalmente perante as exigências de Bruxelas é realista e patriótico. Nas mesmas circunstâncias, um governo de direita é traidor e servilista.
Um governo de esquerda pode aumentar os impostos loucamente, já que revela nesse delírio a (boa) intenção de reforçar as políticas de igualitarização social e de melhoria da qualidade dos serviços públicos. Quando a direita aumenta os impostos, é porque cumpre uma (má) ideologia que despreza as pessoas e serve a ganância dos banqueiros.
Um governo de esquerda pode manipular as contas descaradamente (como no caso da intenção de transformar cortes estruturais em medidas temporárias) que está só a fazer política. Um governo de direita que tenha tal ousadia está a enganar os portugueses.
Um governo de esquerda pode prejudicar a economia privada para manter os velhos privilégios dos funcionários públicos sem qualquer custo político ou mediático. Mas um governo de direita que tente proteger a esfera privada face aos desvarios e despesismos da esfera pública é imediatamente condenado à má língua da opinião publicada e ao autoritarismo anacrónico do Tribunal Constitucional.
Enfim, este é um país em que ser de esquerda é ser moral e competente. E ser de direita é ser imoral e incompetente. É, de facto, nesta corrompida e maniqueísta dialéctica que vive o debate político em Portugal.
O editorial de hoje do Público, assinado pela "Direcção Editorial" e pomposamente intitulado "A filosofia e António Costa" é o máximo - e nojento - manifesto disto tudo. Verdadeiros spin doctors da geringonça frentista que actualmente desgoverna os portugueses, os editores deste inacreditável orgão de propaganda bolchevista usam despudoradamente a mais rasteira retórica para transformar este orçamento numa vitória política do primeiro ministro. Agora expliquem-me, objectivamente e sem se rirem, onde é que está a vitória. Perante as exigências da Comissão Europeia, do BCE e do FMI, Costa claudicou em tudo (onde neste orçamento estão as ideias dos célebres 12 economistas com que a direcção do PS lançou o seu assalto ao poder?), absolutamente em tudo o que é significativo, menos na pior medida de todas: sobrou a eliminação, parcial e progressiva, da sobretaxa nos ordenados da função pública. Uma medida que separa a sociedade civil em duas etnias: os privilegiados que trabalham para o Estado e que vivem à custa de quem cria riqueza de facto, e os desgraçados que trabalham no sector privado e que vivem subjugados fiscalmente para que os privilégios da função pública se mantenham.
É cada vez mais difícil aceitar as regras de uma democracia assim.