Aprender hei-de jamais
como sobreviver aos funerais.
O que é que se diz,
o que é que se faz.
Que me diga um infeliz
que roupa é que se traz!
Que flores é que se usam,
que condolências, abecedários;
de que elegias abusam
os agentes funerários?
São especialmente dolorosos
os funerais chuvosos.
Os coveiros lançam a enxada
com ritmo escravo e precisão.
A lama acerta em cada pazada
no charco do caixão.
A chuva vence a gabardine
como a vida faz magistério:
é preciso que tudo termine
na geologia do cemitério.
Aprender hei-de jamais
como sobreviver aos funerais.
Como é que se beija
a mãe do falecido?
E a dor, será que se aleija
nesse beijo estarrecido?
Quando é que é proibido
o meio sorriso muscular
e quando é que é permitido,
enfim, chorar?
Ensinem-me as regras e as leis
que eu vou ao enterro do Ricardo Reis.