quarta-feira, março 23, 2016

Duas ou três coisas que é preciso dizer e que os jornais calam.

A Bélgica não é, nunca foi e nunca será uma nação. É um país artificial, cortado por duas etnias e duas línguas e criado por franceses, ingleses e alemães para funcionar como tampax entre eles. É produto de conversas de corredor e compromissos protocolares da paz de Vestefália, da Conferência de Berlim e da desgraçada, ineficiente e breve Sociedade das Nações, na conclusão da Primeira Grande Guerra.

Qualquer pessoa que se considere belga, sofrerá, assim, de graves problemas de identidade. Será flamenga, será francesa, será o diabo que a carregue, mas no seu direito juízo não pode ser filha de uma terra de ninguém.

Para terminar este argumento: a Bélgica é uma monarquia cujo rei ícone (uma espécie de Luis XIV da belle époque) é Leopoldo II. Trata-se de um Saxe-Coburgo-Gota (para todos os efeitos: alemão; para todos os efeitos: Habsburgo; para todos os efeitos: primo direito da Rainha Vitória) que cometeu no Congo, em apenas 30 anos, o mais horroroso genocídio da história do colonialismo ocidental (que é, apesar de Leopoldo, muito mais humanista do que pensam os humanistas).

A Bélgica é uma invenção geo-estratégica cujos direitos de autor não são os belgas e que nunca deu realmente uma resultado decente. Não é, aliás, por acaso que o país com menor intensidade nacionalista de todo o continente tenha sido escolhido para a sede por excelência da organização apátrida a que damos o nome de União Europeia.

Ora, na óptica dos filhos da puta do ISIS, não há na Europa um sitiozinho mais simpático que a Bélgica para montar o posto avançado. Um país pacifista por natureza porque tem origem e fortificação em históricos acordos de paz, um território apátrida e radicalmente tolerante, uma condição psico-social suicidária e a circunstância nada despiciente de Bruxelas ser a sede simbólica e administrativa do ocidente europeu. Convenhamos: não há melhor alvo.

O que aconteceu hoje não surpreende ninguém e é verdade que este é o novo normal. O que não é nada normal é o facto deprimente de ninguém na Europa (já para não falar dos tristes que ocupam o território a ocidente do Atlântico) enfim decidir-se a fazer qualquer coisa que nos defenda desta irreal, humilhante e dramática realidade.

É que para viver os prazeres da paz, meus amigos, é preciso saber cumprir os horrores da guerra.