Vivi o tempo suficiente para estar sentado no Estádio da Luz a ver o bom do Eusébio,
que chutava à baliza como se disso dependesse a sobrevivência da humanidade.
Vivi o tempo suficiente para estar sentado no Estádio da Luz a ver
o maluco do Simões
que fazia sempre a mesma finta, e era sempre bem sucedido naquela finta
que fingia que ia à linha, mas não era isso que acontecia
(como o Robben de agora).
Vivi o tempo suficiente para que o Humberto Coelho crescesse
para além da sua altura,
para além da sua classe,
para além do seu destino.
O tempo suficiente para que o Vitor Baptista perdesse o brinco da orelha direita
e para que o Chalana fizesse circo e transformasse o futebol
no maior espectáculo do mundo.
O tempo suficiente para que o Nené conseguisse finalmente
mostrar uma nódoa de lama nos impolutos calções de goleador cruel
e diletante;
o tempo suficiente para que o Pietra mostrasse a toda a gente o que significa
ser um jogador do Benfica;
O tempo suficiente para que o Carlos Manuel explodisse com o cabedal da bola
e o Diamantino revelasse à audiência que afinal era um intelectual
e o Alves marcasse livres directos de precisa geometria elíptica, gregos de tão belos,
sem um passo de balanço que fosse e apenas com o movimento das luvas pretas,
que eram pássaros;
que eram poemas.
Vivi o tempo suficiente para perder uma Taça dos Campeões Europeus
porque alguém mandou o Veloso chutar um penalti.
E o Veloso, que falhou eese decisivo penalti, e que sempre foi
um jogador de futebol de máxima competência,
ficou com as culpas.
Adoro-o por ter ficado calado, com as culpas todas que não eram dele.
Vivi o tempo suficiente para assistir, encantado, ao talento único
do Vítor Paneira.
Vivi o tempo suficiente para ver o Álvaro Magalhães parar de comer a relva e,
por um instante divino,
marcar um dos mais belos golos da história da Taça UEFA.
O tempo suficiente para que um dinamarquês e cinco suecos invadissem o relvado
com a sua arte serena, com a sua determinação engenhosa, com o seu método pagão:
Maniche e Magnusson, Stromberg e Thern, Schwarz e Lindelof.
Filhos, todos eles, de Thor.
Filhos, todos eles, de Wagner.
Vivi o tempo suficiente para assistir ao bailado viril e eficiente e camarada,
de Mozer e Ricardo;
vivi o tempo suficiente para me apaixonar por um puto canina, meio russo,
que numa célebre tarde, em Alvalade, foi, de longe, o melhor jogador do mundo.
Vinha de um bairro pobre do Porto,
vinha com aquele jeito reguila de génio irrequieto
e jogava à bola com o diabo no corpo e o coração nos pés:
chamava-se Pinto. João Vieira Pinto.
Vivi o tempo suficiente para pasmar com o gigantismo bravo, biblíco, ensandecido
do Isaías e a tranquila lucidez de Kulkov.
O tempo suficiente para que Rui Costa passasse de delfim a príncipe;
o tempo suficiente para que as minhas redes fossem guardadas
pelo melhor dos belgas,
o mais correcto dos homens,
o mais educado dos futebolistas,
o mais esbelto dos atletas:
Michele Preud'homme.
Vivi o tempo suficiente para que Paulo Futre levantasse o Jamor
e Simão Sabrosa inventasse a ternura, na posição de extremo esquerdo.
O tempo suficiente para que Luisão garantisse o seu lugar no céu
e Nicolas Gaitán o seu canto no paraíso.
O tempo suficiente para que Fábio Coentrão percebesse
que era um grande defesa esquerdo;
O tempo suficiente para que Axel Witsel cometesse o disparate
de ir jogar para a Rússia,
O tempo suficiente para que Nemanja Matic fizesse esquecer Witsel
e que Enzo Perez pulverizasse a memória do belga e a saudade do sérvio.
O tempo suficiente para que alinhassem no onze inicial do meu querido clube
uma quantidade espantosa de monstros sagrados, a saber:
Valdo Cândido Filho,
Claudio Cannigia,
Carlos Gamarra
,
Karel Poborsky,
Fabrizio Miccoli,
Pablo Aimar,
Angel Di Maria,
Xavier Saviola,
Ramires Santos.
Vivi o tempo suficiente para ter a consciência de que Jonas Gonçalves Oliveira,
nascido em 1984, na localidade de Bebedouro, Estado de S. Paulo, Brasil;
o mago acidental,
o mais improvável dos camisolas 10,
o mais equívoco dos cracks,
Jonas, ele mesmo, o alienígena sem carreira nem futuro,
é que é o herói, verdadeiro, desta tetralogia;
o astuto Ulisses desta odisseia,
o derradeiro crack, o triunfante cromo,
o valente correio da glória
que é ser benfiquista.