Era uma vez um puto sueco que desistiu da faculdade para criar um canal no YouTube. No princípio, era um canal como os outros milhões de canais no Youtube: um maluquinho dos vídeo-jogos a jogar todo o género insano de vídeo-jogos. Porém, a pouco e pouco, ano após ano, Felix Kjellberg foi ganhando audiências. Talvez por ser um puto bonitinho. Talvez por ser um puto educado. Talvez por ser um puto com piada. Talvez por ter uns quantos neurónios a funcionar convenientemente. Com o boost de audiências começou a cair sobre ele o dinheiro e a fama. A rodos. Mas, ainda assim, o puto continuava como sempre. Educado. Genuíno. Humilde. Inteligente. Já não assistíamos apenas a um canal para gamers feito por um gamer. Já percebíamos que estava ali um criador de conteúdos bem sucedido e bem humorado, competente mas sem se levar muito a sério, com consciência da sua responsabilidade como comunicador tanto como da influência que tinha junto do seu público. Às páginas tantas, Felix, o youtuber que conhecemos hoje por Pewdipie, deu por si como o produtor de conteúdo vídeo número 1 no mundo. A jogar vídeo-jogos, a fazer reviews de memes, a relatar notícias da web na personagem de Gloria Borger, a gozar à brava com figurinhas ridículas como o Dr. Phill e a recusar sempre, mas sempre, o fascismo politicamente correcto das grandes techs de Silicon Valley e as susceptibilidades idiotas da sua geração.
Apesar do discurso polido e ideologicamente moderado que constitui a sua imagem de marca, foi anunciado como um novo Hitler, acusado de ser supremacista, racista, sexista, vilipendiado pela imprensa e, claro, adorado por milhões e milhões de fans em todo o mundo. Imune ao histerismo da esquerda radical e aos milhões de dólares que ganha com o seu trabalho árduo, Felix manteve o registo descomprometido de gajo honestamente feliz e corajosamente libertário e foi somando subscrições. Aqui há dois ou três anos atrás, quando chegou aos 50 milhões de subscritores, percebeu que tinha no seu encalço, na competição pela liderança de audiências no Youtube, um peso pesado da indústria musical: T-Series, o monstro pop de Bollyhood. Decidido a combater a gigantesca corporação com as mesmas armas, fez isto:
Este clip teve até agora a espantosa quantidade de 178 milhões de visualizações e 8 milhões de gostos, batendo todos os recordes da história do Youtube. E iniciou uma gigantesca e militante campanha de subscrição do canal Pewdiepie que não tem paralelo na breve existência da Internet. Com milhares de canais envolvidos e iniciativas promocionais de carácter voluntarista a explodir por todos os lados da web e do mundo real, o número de subscritores do canal Pewdiepie aumentou na ordem das dezenas de milhões, sempre seguido de perto, nesse ritmo exponencial, pelo canal indiano.
A disputa pela liderança mundial de audiências (nenhum canal televisivo contemporâneo apresenta números que se comparem), subiu à categoria de combate épico entre um jovem metido num pequeno estúdio a rir-se do mundo e dele próprio (o humor de Felix é quase sempre meta-linguístico) e uma corporação poderosa e omnipotente, que lidera de forma praticamente monopolista o seu mercado nativo, constituído por um bilião e trezentos milhões de pessoas. Esta moderna rábula de David e Golias não podia acabar bem como a narrativa bíblica, e toda a gente percebia que, dado o contraste das forças em presença, era uma questão de tempo até que a multinacional indiana assumisse a liderança no Youtube. Já há muito tempo plenamente consciente deste facto, Felix guardou uns trunfos na manga e, em Dezembro passado, gravou esta obra prima da sátira contemporânea (recomendo que activem as legendas, porque vale mesmo a pena prestar atenção à letra):
Para além do excelente trabalho de composição (realizado com David Paul Brown e “Roomie” Berghult, presentes no clip), que resulta num hit pop/rap impressionante, a mensagem multi-dimensional e socialmente empenhada nos lyrics de "Congratulations" é absolutamente genial. Felix revela, pela primeira vez, as pressões que sofreu por parte dos advogados da T-Series, expõe o perfil pouco recomendável desta organização mafiosa e questiona até a moral de uma indústria que prospera num sistema económico fundamentado na miséria de centenas de milhões de pessoas, socialmente estratificadas por castas. É, de todo em todo, um manifesto poderoso, enfiado numa canção muito bem construída.
O clip só foi postado a semana passada, quando pareceu a Felix que a batalha estava perdida, em definitivo (atá aí o canal indiano já tinha chegado à liderança várias vezes, mas sempre por pouco tempo). Acontece que dois dias depois do clip ir para o ar, Pewdipie recuperou de novo o lugar primeiro, e é, no momento em que escrevo estas linhas, um líder relativamente confortável, com 93 milhões de subscritores e uma vantagem de meio milhão sobre o rival do indico. Há muito tempo que a divergência estatística não era tão grande.
Afinal, David ainda tinha uma palavra a dizer, Golias parece agora um animal bastante menos ameaçador e o puto sueco que só queria jogar vídeo-jogos continua a explodir com a lógica das audiências a nível global, enquanto defende a liberdade de expressão e os valores da cultura em que foi criado. Na verdade, e pensando bem, Felix Arvid Ulf Kjellberg é o último grande herói da civilização ocidental.
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