segunda-feira, outubro 07, 2019

Uma República pela metade.

Com a desonrosa excepção do CDS, que Cristas reconduziu espectacularmente à condição de partido taxista, toda a gente ganhou as legislativas de ontem. O PS, como era expectável, o PSD porque o inenarrável Rui Rio conseguiu escapar à mais que merecida humilhação (e isso, para a criatura, é em si mesmo uma vitória retumbante), o Bloco porque sim, porque é o Bloco e porque o Bloco é  por natureza um triunfo (como o dos porcos do Orwell), o PCP como sempre (não há memória de um partido comunista sair derrotado de um acto eleitoral que seja e é por isso que, historicamente, o comunismo sempre procurou anular rapidamente o fastidioso acto eleitoral), o PAN porque é um fenómeno poltergeist, o Chega porque é insuportável e isso sempre dá votos, o Livre porque quer ser o Bloco quando for grande e a Iniciativa Liberal porque ainda há gente em Portugal (muito pouca) com algum optimismo e inocência bastante.

É mais que nítido, no entanto, que o resultado verdadeiramente significativo da fantochada eleitoral foi a abstenção, que obteve uma esmagadora maioria, segundo o critério de Hondt. Na altura que escrevo este post, 4,5 dos 10 milhões de eleitores registados ignoraram completamente o assunto da governação do País (eu também). E se somarmos à abstenção os votos brancos e os votos nulos, ficamos com quase, quase 50% para cada lado: uma República partida pela sua metade. Mas pelas caras sorridentes que vi, horrorizado e durante dez segundos, na televisão, pergunto-me: até que ponto é que os desgraçados intérpretes desta República vão continuar a assobiar para o lado, como se nada fosse? Qual é a percentagem de abstenção necessária para que esta corja perca a vergonha e reconheça o problema da legitimidade democrática e institucional que realmente existe? 60%? 70%? 80% de abstenção? Não creio. Depois de 45 anos de descaramento, a rapaziada formaria governo com 10 mil votos apenas. E de cara alegre, como sempre, porque o poder, mesmo que ilegítimo, é sempre um festival de contentamentos.

Tenho 52 anos. A minha vida está estabilizada e eu gosto dela. Não nutro, por isso, grandes desejos de revolução. Mas desconfio bem que esta cambada de palhaços ricos vai acordar um dia para uma muito desagradável surpresa. É uma questão de tempo. O tempo necessário para que a indiferença se transforme em ira.