O meu desejo sincero e intenso para 2020 é um absoluto regresso à normalidade. A sério. Desejo para mim e para ti, gentil leitor, um ano de tal forma convencional que até se torne aborrecido. Desejo coisas absolutamente prosaicas, a saber: que os banqueiros banquem, que os bombeiros bombem, que os policias policiem, que os sábios saibam, que os escritores escrevam, que os engenheiros engendrem, que os criativos imaginem, que os compositores componham, que os médicos exerçam medicina e que os jornalistas prefiram a verdade à ficção. Aquilo que é normal.
Desejo um ano novo carregadinho dos mais corriqueiros pressupostos: que a Igreja Católica seja liderada por um pontífice que acredite no deus católico. Que os partidos de direita sejam interpretados por pessoas de direita e que os partidos de esquerda sejam articulados por pessoas de esquerda. Que a esquerda defenda quem trabalha e que a direita defenda quem emprega. Que os tribunos não tenham problemas de fala, que os soldados guardem o paiol, que os políticos se preocupem mais com as pessoas que perdem os seus empregos do que com as pessoas que mudam de sexo; que o Presidente da República dispense a dose quotidiana de fama; que as feministas critiquem, por uma vez, a forma como os muçulmanos tratam as mulheres e que a Greta Thunberg vá maçar os chineses, que vivem na nação mais poluidora do planeta, de longe. Tudo isto é do mais elementar bom senso e podes até ter oportunidade para bocejar, querida leitora, num mundo assim lindamente desinteressante.
Para 2020 desejo também - e em vão, bem sei - que os ministros das finanças da comunidade internacional se unam sob a virtuosa bandeira da moderação fiscal, motor histórico de toda a prosperidade. Que os cientistas substituam a convicção de que Deus não existe por certezas demonstráveis sobre as disciplinas que estudam; que os professores ensinem em vez de doutrinar; que os pilotos voem em vez de protestar; que os enfermeiros cuidem em vez de reivindicar e que os astronautas façam aquilo que é suposto: escapar à órbita terrestre. Desejo menos leis, para que a Lei se cumpra; menos condecorações, para que a virtude seja distinguida; menos queixas, para que seja possível ouvir os lamentos de quem sofre de facto.
Não aspiro a mais que o tédio das coisas fazerem sentido. Que Hollywood seja uma indústria de entretenimento ao invés de uma máquina de propaganda ideológica; que os desportistas façam desporto ao invés de fazerem de conta que são intelectuais; que os juízes julguem segundo os códigos jurídicos e não segundo a raça, o sexo ou a classe social; que os criminosos sejam presos e que os inocentes vivam em liberdade. Outrossim anseio comedidamente por 365 dias em que os fumadores não sejam tratados como leprosos e que os leprosos sejam tratados; e, já agora, que me deixem em paz com o meu bife de vaca, com a minha carne de porco, com o meu sal e o meu pão e a minha bola de berlim e o meu whisky e o meu automóvel de combustão interna e os meus cigarros e os meus vícios e as minhas idiossincrasias que não chocam com as idiossincrasias de ninguém.
Sonho com aquilo que é possível e as minhas expectativas são modestas: que os países sejam demarcados por fronteiras porque foi para separar as pessoas umas das outras que foram inventados os países; que os profetas do apocalipse percebam que o apocalipse é uma mania de séculos, por todos os séculos fraudulenta; que os radicais encontrem a moderação e que os histéricos das causas fracturantes sejam medicamentados como os restantes histéricos; que os censores deixem a malta dizer o que pensa, mesmo que aquilo que se diz seja incorrecto, porque o erro é o único parteiro da verdade; que o preço dos combustíveis varie de acordo com as leis da concorrência e que os turistas não descubram Telheiras, para que eu possa viver no meu bairro sem ser filmado por japoneses, insultado por ingleses, incomodado por franceses, reeducado por suecos e condicionado por alemães.
Sim, sim, o que desejo é o mais aborrecido e sonolento ano novo que se possa imaginar. É que começo a ficar realmente cansado de viver tempos interessantes, num mundo ao contrário.