sexta-feira, maio 08, 2020

A discoteca da minha vida: discos 1 a 5.

A convite do meu amigo Carlos Rafael, meti-me nesta empreitada de discorrer um bocadinho sobre os discos que considero fundamentais na banda sonora da minha existência. O desafio falava em dez discos, mas sendo eu o Hasse Paixão que sou, é claro que tinha que me esticar e vão ser seguramente algumas dezenas. Não há grandes regras a não ser a de escolher não mais que um disco por banda ou autor. Tento dar um sentido cronológico há recolha, mas até nisso falho redundantemente, como verás, gentil audiente, no correr dos posts. Não sei quanto tempo vou demorar a chegar ao presente do indicativo, sinceramente. Mas desde que faça isto com prazer, a coisa vale, mesmo que exaustiva, mesmo que incompleta (todas as playlists deste género são incompletas), mesmo que desregrada. Boa sorte e boa viagem (para mim e para ti).


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#1 - Concertos de Brandenburgo . Johann Sebastian Bach

 
Para começar, os Concertos de Brandenburgo, do bom e velho J. S. Bach, conduzidos por Luigi Varesi, interpretados pela Musici Di San Marco e publicados pela Sonata em 1988. Este é sem dúvida nenhuma o disco que mais influenciou o meu ouvido. E aquele que provavelmente ouvi mais vezes na vida. É claro que o imortal kapellmeister produziu obras primas suficientes para completar uma lista interminável. Mas vamos ser sensatos. Os Concertos de Brandenburgo são eloquentes testemunhos do génio. E um hino de insustentável beleza à sensibilidade artística e capacidade criadora do género humano.



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#2 - 69 Love Songs . Magnetic Fields
























O segundo disco da minha lista de obras magníficas tem que ser o célebre triptico de Stephin Merritt (AKA Magnetic Fields).
Lançado no já distante ano de 1999, 69 Love Songs debita um volume prodigioso de criatividade só para aí comparável a uma obra prima do barroco ou coisa que o valha. Estes 3 discos guardam autênticas maravilhas folk, supremas epifanias punk, pungentes suicídios grunge, espectaculares orgias beatnick, desesperados lamentos blues, violentas paixões soul e intensos elogios do rock n'roll. Da canção medieval ao registo grunge, do orgasmo esquecido à redenção da entrega, está lá tudo dentro do pacote. É impressionante. Nem vale a pena falar da beleza das melodias porque é preciso ouvir, ouvir e ouvir até saber trauteá-las todas no duche.

"I decided I'd write one hundred love songs as a way of introducing myself to the world. Then I realized how long that would be. So I settled on sixty-nine."

"69 Love Songs is not remotely an album about love. It's an album about love songs, which are very far away from anything to do with love."

-Stephin Merritt-



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#3 - Remote Control . The Tubes
























Março, 1979. Na ressaca de uma digressão super atribulada e altamente polémica, a banda mais subvalorizada de sempre edita a sua opera magna: "Remote Control". Este disquinho dos The Tubes, que incluo com fanática convicção na lista dos dez magníficos, é sagrado para mim. Acompanha-me desde os 12 anos e iniciou-me no rock independente. Ao longo dos seus 11 prodigiosos temas dá-se uma sublime convergência entre punk electrónico e pop desalinhado, num embrulho futurista de sintetizadores analógicos e raiva de músicos fora da lei, que anunciam o apocalipse do rock clássico dos anos 70 e introduzem o caleidoscópio sensorial que vai acontecer na década que se segue. Praticamente ignorados em Portugal e hoje já esquecidos em todo o lado, os Tubes sempre foram pioneiros em tudo. Uma banda à frente no tempo. E este "Remote Control", que hoje se ouve tão bem como no ano paleolítico em que foi lançado, é uma coisa eterna. E intensa como o raio.
Se tivesse que eleger um só disco na categoria Rock, elegia este.



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#4 - Sinatra - The Main Event, Live . Francis Albert Sinatra
























O quarto disco maravilha da série de discos maravilha tem que ser este, que ficou para sempre tatuado a ouro no coração dos meus tímpanos: Sinatra, The Main Event - Live.
Gravado em 1974 no célebre Madison Square Garden de Nova Iorque, é a definição de um apogeu. Eis Francis Albert Sinatra com 59 anos, no ringue da sua glória, maturo e sábio trovador maior que a própria vida, com a sua voz olímpica ainda imaculada, sexy como o diabo, monstro melódico no auge da carreira. As 12 faixas deste disco podem ser enviadas para o espaço, como testemunho de que no planeta Terra existiu um dia algo a que se pode chamar Civilização. E mais não digo.



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#5 - Rocket to Russia - Ramones
























1977. No contexto da Guerra Fria que se vivia no tempo (e que hoje seria motivo para vários lockdowns por ano e sucessivas crises existenciais das flores de estufa que poluem o ambiente emocional do planeta), os Ramones decidem gozar o prato: antes de ser um manifesto punk, Rocket To Russia é um corrosivo exercício de humor. Os 14 curtos e grossos temas que habitam este disco são parcimoniosos em acordes e avarentos com os versos ("I Don't Care" tem 3 acordes e 3 versos) mas não deixam por isso de ter enorme capacidade retórica. O Disco Sound é ridicularizado. A religião é ridicularizada. A família é ridicularizada. O apocalipse nuclear é ridicularizado. E de ridículo em ridículo, os Ramones edificam a sua posteridade, à velocidade de 78 rotações por minuto.
Esta pérola mudou muita coisa dentro dos meus tímpanos e no fundo do meu cerebelo. Fiquei a saber que a economia é uma virtude melódica. Que as calças de ganga devem ter buracos para os joelhos respirarem. Que homens muito feios podem ser símbolos sexuais. Que o punk é dançável e que a ironia é uma arma superior à bomba de hidrogénio. Fiquei a saber imensas coisas, através de um disco que na verdade não pretende ensinar nada a ninguém. Rocket To Russia é um monumento à dissidência e só quer ser isso e é isso que faz dele uma obra prima. Sheena is a punk rocker. Sheena is a punk rocker. Sheena is a punk rocker, now. 




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