domingo, maio 10, 2020
A imprensa como motor de teorias da conspiração.
Parece que agora os adolescentes da redacção do Observador acham que já não é uma teoria da conspiração dizer que o vírus escapou do laboratório de Wuhan (como era há uma ou duas semanas atrás). Agora a teoria da conspiração é que o vírus foi fabricado, porque a ciência do Observador não encontra prova disso. Se, ou quando, surgirem evidências indisfarçáveis que o vírus foi afinal fabricado, a teoria da conspiração passa a ser que o vírus afinal fabricado foi libertado com intenção maliciosa, porque a versão oficial vai ser a de que se tratou, obviamente, de um acidente. E assim sucessivamente.
Dá vontade de rir, mas a propaganda de base totalitária da imprensa ocidental é, em última análise, a responsável por todas as teorias da conspiração. Como ninguém acredita nos jornalistas (porque se transformaram - na sua muito substantiva maioria - numa deprimente companhia de palhaços do circo do poder), cada um é livre para juntar as peças na construção da narrativa que quiser. Essa é uma das razões pelas quais o jornalismo clássico faz imensa falta às sociedades contemporâneas. Deixámos de ter um registo independente - e de referência - sobre a fenomenologia social. E, em consequência, acreditamos mais em nós. Na nossa verdade interior, que é irredutível. E ainda por cima temos um megafone sempre à mão, embora na verdade os tipos que nos colocaram o megafone na mão não simpatizem muito connosco - aqueles que pensam pela sua própria cabeça porque na verdade não têm outra opção, dada a escassez de profetas credíveis.
Qualquer pessoa que perca cinco minutos nos threads de comentários do Observador percebe que a magna parte da audiência tem uma espécie de nojo dos jornalistas que lá trabalham. Isto não é por acaso, mas é chocante. Regressemos não mais que vinte anos atrás e seria impensável que os leitores de um jornal desconsiderassem assim os seus jornalistas. As coisas mudaram radicalmente e com uma rapidez de foguetão. Não porque a vil populaça - essa massa deplorável que se atreve à classe média e que pensa que tem direito a uma opinião - tenha ficado mais estúpida, mas porque a elite bem pensante, os privilegiados-arrependidos, os inteligentes da sinalização moralista, os dogmáticos de tudo, meteram os pés pelas mãos. À grande.
É de romance distópico, bem sei, mas são as mentiras dos jornais que geram mentiras nas redes sociais, e não o contrário.