Num mundo ao contrário, cidadãos são presos por abrirem os seus pequenos
 negócios, enquanto criminosos são soltos das prisões para não sofrerem 
de gripe.
Num mundo ao contrário, pessoas inteligentes e bem 
formadas aceitam com naturalidade que lhes sejam retirados os direitos 
mais fundamentais, como o do exercício da actividade económica e da 
liberdade de movimentos e da liberdade de expressão. 
Num mundo ao 
contrário pessoas inteligentes e bem formadas incentivam 
entusiasticamente a anulação do direito constitucional e o colapso da 
civilização, enquanto aplaudem os profissionais da saúde por fazerem nem
 mais nem menos que o seu trabalho. 
Num mundo ao contrário 
cancelam-se os cuidados de saúde àqueles que são vítimas de doenças 
graves, para dedicar todos os recursos àqueles que foram contaminados 
por um vírus banal.
Num mundo ao contrário os representantes eleitos
 no contexto de um Estado de Direito aproveitam esse vírus para 
exercerem antigos sonhos de poder.
Num mundo ao contrário pessoas 
inteligentes e bem formadas resignam-se a receberem cheques de estados 
falidos, quem imprimem moeda desenfreadamente, até que a moeda valha 
menos do que o papel em que é impressa. 
Num mundo ao contrário 
essas pessoas e todas as outras são aconselhadas a não se tocarem. A não
 se cumprimentarem. A não se beijarem. A fecharem-se silenciosamente nos
 seus casulos cibernéticos, vazios de tudo menos de medo.
Num mundo 
ao contrário não há História, nem Filosofia, nem Ciência, nem rigor, nem
 vergonha: Há telejornal. O inimigo é o amigo, a verdade é um tweet e a 
amizade um engodo. 
Num mundo ao contrário, altera-se o registo do 
passado em função das necessidades actuais  da propaganda, e somos todos
 racistas de nós todos. E somos todos fóbicos de nós todos e sexistas de
 nós todos e todos nós nazis.
Num mundo ao contrário o fascismo passa por democracia, o comunismo por redenção, a infâmia por fama.
Num mundo ao contrário exageram-se os óbitos presentes para mitigar os 
mortos do futuro. E esquecem-se os que perderam a vida, gerações sobre 
gerações deles, em nome de valores e virtudes que agora deixamos cair na
 lama como frutos apodrecidos de uma árvore envenenada.
Num mundo ao
 contrário a cultura, a tradição, o costume, a família valem menos que 
zero, porque o imediato e o inócuo e o volátil e o fútil e o espúrio são
 os tesouros mais prezados.
Num mundo ao contrário as elites 
borram-se todas ao primeiro sinal de um perigo imaginado, enquanto 
desvalorizam a coragem daqueles que venceram terríveis ameaças. Num 
mundo ao contrário ser fraco é ser forte, enquanto a sabedoria se 
transformou numa aplicação para o telemóvel.
Num mundo ao contrário 
recebes um telefonema da Scotland Yard, que te admoesta a propósito de 
um criminoso post de rede social, em que dizes que só conheces duas 
maneiras de nascer: com pilinha ou com pipi.
Num mundo ao contrário 
proíbem-te a ida à igreja romana, enquanto as mesquitas recebem 
livremente os seus fiéis e os sindicatos organizam coreografias com 
multidões.
Num mundo ao contrário convencem-te que a economia é uma 
ilusão e que tudo vai correr bem a seguir, porque na verdade o trabalho é
 acessório e tu não precisas de todo de contribuir minimamente para o 
produto bruto, até porque o produto bruto cresce nas árvores do 
socialismo. 
Num mundo ao contrário és sempre reduzido à tua insignificância.
Num mundo ao contrário há vizinhos em vez de amigos, turbas em vez de 
tribos, estados em vez de nações. Num mundo ao contrário Deus foi 
assassinado e substituído pelo Benfica e pela Sonae. Num mundo ao 
contrário somos todos cuidadosamente separados pela internet, 
identificados pelo Facebook, censurados pelo Google, amordaçados e 
conduzidos ao mais irrelevante destino pelos profetas do vazio de todas 
as coisas.
Num mundo ao contrário escrevo estas linhas vãs, 
incapazes de fazer a guerra sobre a vilania imperial. Pequenas-nenhumas 
linhas, impotentes. 
Agradeço a Deus a bênção de não ter tido filhos.
