Fechado em casa.
Até as paredes estão fartas
de mim.
A civilização é frágil
como um formigueiro no caminho
do tractor.
Ruas desertas.
Só o silêncio
e o medo.
Quem preza mais a segurança
do que a liberdade
nunca esteve preso.
Não há pior silêncio
que o de um cobarde.
As multidões obedecem.
Deve ser por isso que na História
a ditadura é tão comum.
A mosca morta rodopia
pela minha cela.
Condenados os dois.
Quarentena placebo.
Não purga
nem cura.
Quarentena cruel:
obriga famílias
a quatro paredes.
Confino o meu corpo,
mas não a minha
voz.
Distância social.
Outra maneira de dizer
apocalipse.
Os melros fazem mais barulho
que a Segunda Circular.
Quando um dia fores
à procura do tempo perdido,
vais um dia
tarde demais.
Os meus clientes não existem.
Literalmente.
Eu fico em casa.
Mas o jardineiro, com a sua metralhadora de aparo,
não.
Não há nada
de bom
no fascismo.
Um imenso carnaval:
para onde te viras
vês pessoas mascaradas.
Até os cães estão fartinhos
de me aturar.
Quantos mortos vale uma ideia
de liberdade?
Uma definição de inferno:
Hollywood confunde-se
com a realidade.
A Netflix vive agora
no espaço ontem ocupado
pelo café do meu bairro.
Depois de décadas de trabalho duro,
percebes que és ingénuo.
Viver é correr riscos.
Só na campa há segurança.
Depois da afonia urbana,
a baía barulhenta.
O Atlântico tem o volume no máximo.