O Afeganistão não chega a ser um país. Trata-se antes de um perímetro bárbaro ocupado por um conglomerado de tribos etnicamente diversas que se degladiam há milénios. Rotinados na violência, presenteiam com desastres militares e civilizacionais os impérios que ousam, ciclicamente, imiscuir-se neste ninho de vespas. Alexandre e os Persas, Genghis Khan e os Ming, a Rainha Vitória e os czares, os otomanos e os sovietes, todos eles vieram morrer um bocadinho a esta praia sem mar.
Os marretas de Washington não são, de todo, bons alunos a História.
Caso contrário tinham tirados as devidas lições sobre o que aconteceu
aos outros impérios, tanto como o que aconteceu ao próprio em
territórios igualmente virulentos como o do Vietname, o da Líbia ou o
da Somália. Mas não. Ninguém lê Clausewitz no Pentágono e a religião oficial do aparelho militar-industrial que reina nos corredores do poder é de carácter dogmático. Assim sendo, toda a disfunção operacional é expectável. Toda a ambição desmesurada é concretizável. Toda a prossecução criminosa é passível de ser colocada em campo, impunemente, por esse planeta fora.
Apesar de ser uma nação falhada, ou se calhar por causa disso mesmo, o Afeganistão é a mais rentável entidade narcotraficante do mundo. E os campos de papoilas, com os seus chorudos resultados líquidos, são agora propriedade de uma das tribos mais facínoras da vil rábula do radicalismo islâmico.
Animados pela vitória total, de grande aparato mediático e que incluiu a degradante humilhação do inimigo - que se apresentava como a maior potência militar da história universal; promovidos a directores gerais do clube global de assassinos islamitas; financiados pela droga e armados até aos dentes (as forças americanas até deram o jeitinho de deixarem armas, munições e veículos militares como tributo aos pés dos conquistadores), os Talibans vão com certeza fazer do mundo um sítio mais seguro e pacífico, nos próximos tempos. Está-se mesmo a ver.
Entrementes e em Julho deste ano, Joe Biden, numa conferência de imprensa dedicada à retirada do Afeganistão que vai pertencer, para todo o sempre, ao anedotário da história militar da América, tranquilizou a audiência doméstica e internacional com estas peremptórias palavras:
Mesmo considerando a flagrante senilidade deste infeliz tiranete, a total e lunática ignorância da realidade no teatro das operações faz uma comichão enorme na sensibilidade de qualquer sapiens. E a confiança que temos, deste lado do hemisfério, nos imbecis que tomaram com autoritarismo só comparável à sua incompetência, o poder dos estados e das super-estruturas económicas e sociais sofre, naturalmente, mais um inverno de erosão.
A conspiração de estúpidos, decorrente da ideia demente de que os Estados Unidos, cuja democracia faliu completamente no espaço dos últimos 8 meses, seria capaz de montar um regime constitucional no Afeganistão, acaba de ser traída, com estrondo imagético e factual. É excessivamente evidente, como um filme pornográfico.
Para o futuro sobram as cinzas, o provável segundo fôlego do terrorismo islâmico e a queda livre de um império, talvez o último do Ocidente.