Toda a gente com um centímetro de encéfalo sabe que a imprensa mente. E que o faz descaradamente. Porém, ao jornalismo da ciência, é dado algum crédito, ainda. E esse crédito, calhando, é mais perigoso para a verdade que uma peta qualquer sobre a vida política ou económica ou social das nações. Mentir sobre ciência é chegar ao ponto de não retorno da coisa.
E os jornais mentem imenso sobre ciência, na maior parte das vezes por ignorância de tudo, claro, noutras por agenda editorial. Por exemplo: quantas vezes já foste informado por um jornal, que as imagens espantosas que lá vês de galáxias, supernovas, buracos negros e outros astros megalíticos e lindíssimos do género resultam não de uma lente, mas de sensores comandados por algoritmos? E que esses algoritmos são afinados para captar os espectros certos que confirmem determinadas teorias? Já alguém te disse num jornal, caro leitor, que as imagens da astronomia actual são tão subjectivas como a especulação de um académico teórico?
Vende-se ciência nos jornais como se vende tudo o resto: empacatoda de tal forma que seja impossível pensar sobre o assunto. São paradigmas de parangona. Glórias facilitadoras do lead. Triunfos do click. Informam zero, doutrinam bastante e adiante que este post nem está a ser editado para amaldiçoar a imprensa, na verdade.
É que neste mundo ao contrário, que gira contrariamente a uma velocidade exponencial, as falsas notícias sobre ciência não são geradas pelos media. São geradas pelas universidades.
Um exemplo recente:
O título desta notícia da revista do Massachusetts Institute of Technology, talvez a mais conceituada universidade de engenharia e ciências do mundo, é falso. É completamente mentira que os chineses tenham teletransportado um fotão da Terra para a órbita terrestre.
Primeiro porque estamos a a falar de dois fotões. Um na Terra. Outro em Órbita. Esta experiência procura explorar o fenómeno que em Mecânica Quântica tem o nome de Entrelaçamento (Entanglement) e que consiste nisto: duas partículas que tenham sido criadas no mesmo momento do espaço e do tempo vão manter uma relação interactiva, mesmo que sejam separadas. Por exemplo: se uma destas partículas sofre, em Oxford, uma alteração de estado electromagnético, a outra partícula pode até estar no fim da galáxia, que vai somatizar os mesmos sintomas.
O que os cientistas chineses fizeram foi levar o Entrelaçamento Quântico a tal ponto que a Partícula colocada em Órbita assumiu a identidade da Partícula que estava na Terra. Isto não é teletransporte porque as partículas não mudaram de posição. Isto é "Spooky action at a distance", nas divertidas palavras de Einstein.
Na verdade, a experiência chinesa, sendo bem sucedida e importante no meio científico, principalmente no que diz respeito ao fluxo de bits de informação, não é a primeira (só nunca tinha sido executada com um dos fotões em órbita) nem traz nada de novo à retórica instituída. Basta ler o primeiro parágrafo da entrada na Wikipédia sobre o Entrelaçamento Quântico para percebermos isso:
O entrelaçamento quântico (ou emaranhamento quântico, como é mais conhecido na comunidade científica) é um fenômeno da mecânica quântica que permite que dois ou mais objetos estejam de alguma forma tão ligados que um objeto não possa ser corretamente descrito sem que a sua contra-parte seja mencionada - mesmo que os objetos possam estar espacialmente separados por milhões de anos-luz.
Apesar de parecer viver bem com a nomenclatura falaciosa, que, bem sei, tem origem académica, Sabine
Hossenfelder explica melhor e confirma completamente o que enuncio, no segmento em que
marquei o início deste clip.
Mais a mais, o teletransporte de um fotão para a órbita da Terra, é, no sentido práctico, inútil. Se o disparares na direcção de um sensor que o receba algures nas imediações siderais da Terra, ele vai lá chegar, para todos os efeitos, no mesmo instante em que partiu, já que o fotão é a única partícula que viaja à velocidade da luz (porque não tem massa e porque é precisamente a partícula que transporta a luz). E a essa velocidade chegas à Lua antes que o diabo possa coçar a ramela:
Velocidade da Luz: 1 080 000 000 Km/H
Distância entre a Terra e a Lua: 384 400 km
É fazer as contas.
Não deixa de ser verdade que o artigo do MIT Review, se for lido na sua integridade, esclarece o equívoco. Mas se a manchete é esta, na fonte, que notícia pensas, gentil leitor, que sairá amanhã no Público?
"Beam Me Up Scotty"?