quinta-feira, outubro 21, 2021
Zemmour ou o populismo intelectual.
Perante os fracassos eleitorais, os equívocos constantes e a ligação umbilical a uma direita que está historicamente estigmatizada em França, Marine Le Pen não parece configurar a alternativa a Macron ansiada por largos sectores da sociedade gaulesa. Neste contexto, o personagem mais bem colocado para ocupar a posição da líder da Frente Nacional não é um político. É um intelectual. Éric Zemmour, polemista e ensaísta com prolixa obra publicada e constante presença nas colunas de opinião da imprensa conservadora francesa, é, no momento em que escrevo estas linhas, o candidato preferido pelos eleitores. E isto sem que o célebre pundit tenha sequer oficializado a sua campanha.
Zemmour é senhor de uma fraca figura física, mas de uma forte personalidade mediática, tendo conseguido, apesar da verve polemista e do discurso politicamente incorrecto, penetrar na comunicação social mainstream do seu país. Sabe de história, de filosofia e de ciências sociais como nenhum outro adversário político, usa a ironia como caterpillar de demolição e, sobretudo, não tem papas na língua nem medo seja de quem for.
Num desassombrado e mordaz discurso gravado em 2019, o agora primeiro adversário de Macron para as presidenciais de 2022 mostra quem é e ao que vem:
O discurso está carregado de verdades evidentes (do género que é cada vez mais suprimido na imprensa e nas redes sociais), mas destaco algumas tiradas, que consubstanciam de forma clara o pensamento do autor.
"Robespierre ensinou-nos que os maus tipos têm de ser mortos.
Lenine e Estaline acrescentaram que os bons tipos também devem ser mortos."
"Como podes não estar feliz com aqueles homens profusamente peludos que agora podem finalmente admitir a sua natureza feminina? E com aquelas mulheres que não precisam mais de contato nojento com homens para engravidar? E com aquelas mães que não precisam de dar à luz para serem mães? Como disse a magnífica Agnès Buzyn [Ministra francesa da Solidariedade e da Saúde]: Uma mãe pode ser pai."
"Como não ficar encantado com a sublime Revolução Francesa, que nos ofereceu o Terror e um futuro repleto de comunistas e gulags?"
"A alegre globalização libertou da miséria centenas de milhões de chineses e africanos. É uma pena que tenha mergulhado dezenas de milhões de ocidentais na pobreza e no desemprego."
"O progressismo é um messianismo secular, como o jacobinismo, o comunismo, o fascismo, o nazismo e o humanismo. (...) Os progressistas são todos iguais: a liberdade é para nós, não para os outros."
"Para servir este poder tirânico e impor esta ideologia de diversidade, criámos uma máquina de propaganda que juntou televisão, rádio, cinema, publicidade e, não nos esqueçamos, os cães de guarda da internet. A sua eficácia faz com que Goebbels pareça um modesto artesão e Joseph Stalin um tímido novato."
"Por um lado, os liberais e o mercado abriram os nossos países aos grandes ventos do livre comércio globalizado, derrubando fronteiras e pequenas empresas, transformando ex-cidadãos em consumidores individualistas e quase histéricos, submetidos às injunções dos executivos das grandes empresas. Por outro lado, a extrema esquerda trocou o marxismo e o manual sobre a guerra de classes pela causa virtuosa das minorias - sejam elas sexuais ou étnicas - e substituiu as barricadas e as ruas pelos tribunais. Os juízes, condicionados pela propaganda da esquerda desde a escola judiciária, tornaram-se representantes e, muitas vezes, cúmplices de diversas parcerias, que armam, para saquear dissidentes e aterrorizar a maioria silenciosa - e hoje, paralisada."
"Sei que as pessoas vão acusar-me de islamofobia. Todos sabemos que este nebuloso conceito foi inventado para tornar impossível a crítica ao Islão. Restabelecer a ideia da blasfémia em auxílio da religião muçulmana. Uma ideia de blasfémia acabada, lembro-me, em 1789."
"A questão que nos coloca agora é a seguinte: os jovens franceses aceitarão viver como uma minoria na terra dos seus antepassados? Se sim, merecem a sua colonização. Se não, devem lutar pela sua libertação."
Uma coisa é certa: se Marine Le Pen abdicar da sua candidatura e colocar a máquina da Frente Nacional a trabalhar em favor de Zemmour (até o pai Le Pen diz que o melhor candidato é o talking head de Seine-Saint-Denis), Macron vai ter que suar as estopinhas para continuar a ocupar o trono do Eliseu.
A ver vamos.