Primeira página da edição de 1644 da Areopagitica, de John Milton
“Give me the liberty to know, to utter, and to argue freely according to conscience, above all liberties.”
“Power is in tearing human minds to pieces and putting them together again in new shapes of your own choosing.”
George Orwell . 1984
Chegados
à terceira década do século XXI, concluímos que os indivíduos da
espécie Sapiens fazem basicamente tudo o que lhes dizem para fazer, não
importa o quão absurdo ou imoral, desde que o comando provenha de um
político, de um burocrata, de um jornalista ou de um cientista. Em troca
de proteção contra ameaças relativamente triviais, sacrificamos com
surpreendente facilidade e descontração a nossa liberdade e permitimos o
surgimento do totalitarismo.
Uma das causas primeiras desta
obediência cega reside na operação draconiana dos meios de comunicação
social, que manipulam e distorcem a informação, e das corporações
tecnológicas, que controlam e censuram o seu fluxo na web. Estes dois
motores de conformidade tornaram possível um uníssono inédito na
história do discurso humano, constituindo um sólido paradigma para a
prossecução de ideologias que favoreceram o controlo centralizado, de
cima para baixo. Apesar da Web ser acessível a biliões de pessoas, a
informação que nela circula é controlada por uma percentagem ínfima de
indivíduos, fenómeno de natureza oligárquica cuja disparidade
estatística é, historicamente, inédita.
Este fluxo limitado,
filtrado e unidirecional da informação, servido às massas crédulas como
verdade absoluta, cria uma situação análoga à alegoria da caverna de
Platão. Nesta alegoria, os prisioneiros são acorrentados numa caverna e
forçados a ver a dança das sombras nas paredes. Sem saber melhor, os
prisioneiros confundem as sombras com a realidade.
E aqui
residirá, talvez, a redenção da Internet. De cada vez que um indivíduo
mais acordado, de cada vez que um dissidente determinado, de cada vez
que uma mente curiosa identifica, recorrendo a critérios mais exigentes
de navegação electrónica, a corrupção das "autoridades" institucionais e
vê para além do muro de mentiras; de cada vez que alguém num dado
momento conclui que o que pensa ser verdade é apenas a um reflexo
manipulado e distorcido da realidade, abre-se uma brecha no muro
totalitário. Tanto mais que essa descoberta individual pode ser
partilhada com vastas audiências. Neste sentido, e apesar do esforço
titânico e tirânico das Big Tech, a Web está a acabar com o monopólio que os meios de comunicação social convencionais detinham sobre o fluxo de informação.
Porém,
como essa dissidente e quase clandestina circulação informacional
ameaça a visão parasita e controleira dos que ocupam as posições de
poder, devemos esperar um aumento na intensidade da
censura, na tentativa de nos forçar a voltar à caverna de Platão. Esta
reacção será justificada como necessária para limitar o "hate speech",
mesmo quando praticamente inexistente, e corrigir a "desinformação",
embora estes rótulos plastificados sejam não mais que isso mesmo: a
embalagem usada para esconder o acto socialmente destrutivo de
restringir a liberdade de expressão com o objectivo de proteger os
interesses da oligarquia.
É no entanto bem possível que, se formos demasiado passivos e não tomarmos uma posição dura contra as tentativas de sufocar a liberdade de expressão, esta revolução tecnológica seja diferente daquelas passadas. Até porque a oligarquia que tomou o poder contemporâneo é tecnologicamente sábia e usa com mestria os novos instrumentos de propaganda ao seu dispor. Os detentores do poder usam e continuarão a usar com agressividade e eficácia crescente este novo paradigma tecnológico a seu favor e, em vez de nos libertarem, as tecnologias digitais serão a ferramenta que nos levará ao terror público e ao inferno privado de um totalitarismo global tecnocrático.
A questão central permanecerá, portanto, na esfera do indivíduo, e do que ele for capaz de fazer para defender os seus direitos naturais e a consequente possibilidade de uma existência digna e próspera, assente no mais sagrado dos princípios fundamentais: o livre arbítrio.