terça-feira, fevereiro 22, 2022

Quando é que sabes que já podias ter morrido.

Quando a maior parte das pessoas que sempre amaste,
já não te ama, ou já não te é querida.
Quando deixas de alimentar relações afectivas,
para além daquelas que manténs pela ordem do sangue ou do matrimónio.
Quando o relacionamento que tens com a vida se fundamenta numa revolta
que não tens coragem para levar às últimas consequências.
Quando achas que por muito que tentes travar o movimento terminal,
o mundo caminha irreparavelmente para o abismo.
Quando o teu corpo apresenta queixas, justificadas, porque não foi construído
para quarenta anos de posição sentada à frente de um computador.
Quando tudo o que tu acreditas ser verdadeiro é apresentado como falso,
Quando tudo o que os teus olhos vêm é apresentado como ilusório;
Quando tudo o que sentes como virtuoso é apresentado como iníquo,
Quando tudo o que tu és, tudo o que acreditas ser, é leiloado ao mais baixo preço
no mercado das redes socias;
Quando a imagem que tens de ti não escapa à tua fantasmática ira;
quando o banco que te presta serviço chama a polícia
por causa do teu temperamento;
Quando sabes perfeitamente que estás sozinho na tua razão
e que a tua razão será sempre, para ti, indefectível;
Quando a maior parte das pessoas tuas contemporâneas escrevem indefectível
sem o c só porque um conjunto de imbecis traidores da tua cultura
lhes disseram que era melhor escrever indifectível sem o c;
é chegado o momento da tua morte.

Quando tens quatro olheiras, já não fazes falta ao mundo.