domingo, junho 05, 2022

Corrida para a morte #02

Descobri este raro documento vídeo referente às 500 milhas de Indianapolis de 1955, no Youtube. O footage, a cores, está com uma qualidade assombrosa, considerando que se trata de um registo com quase 70 anos.



Nesta prova morreram dois pilotos. Manny Ayulo numa das sessões de qualificação e Bill Vukovich. envolvido num aparatoso acidente, sensivelmente a meio da distância a percorrer. Este último era uma estrela do seu tempo e o favorito à vitória (seria a terceira consecutiva). Mas é como se nada fosse: depois de uma breve pausa de 27 minutos em modo bandeiras amarelas, a corrida recomeça. No final, há sorrisos e festejos e o sabor da glória. Ninguém nas imagens parece afectado por se terem entretanto perdido duas vidas. Toda a gente sabia que o risco fazia parte da profissão. Toda a gente sabia que as 500 milhas de Indianapolis, feitas a uma média de 200 kms por hora em caixões sobre rodas, eram um desafio alucinante e extremamente perigoso, cumprido no gume da navalha que se estende entre a vida e a morte.


Como já aconteceu noutro documento sobre o automobilismo dos anos 50, que publiquei recentemente com o mesmo título, estas imagens fazem-me reflectir sobre a forma muito diferente como equacionamos a vida, o risco, a segurança e a recompensa, no hiato de apenas 7 décadas.

E por muito que possa chocar a estimada audiência deste blog, tenho dúvidas de que nessa década do século XX, sem dúvida fatídica para os desportos motorizados, a equação fosse resolvida pior do que é agora. Na altura, uma sociedade orientada para a espectacularidade, o virtuosismo, a coragem e o progresso técnico sobredimensionava a variável do risco. Hoje, uma sociedade orientada para a segurança, a manutenção do status quo tecnológico e social e a crítica do heroísmo reduze a variável da recompensa.

Ora, considerando que ao diminuirmos substancialmente o perigo nas corridas de automóveis, obliteramos em directa proporção a sua glória, e que sem glória o percurso humano perde o seu carácter épico e transcendente; ao defendermos a vida pela vida, acima de qualquer outro valor, estamos na verdade a desvalorizá-la.

Não sei, digo eu.