domingo, outubro 16, 2022

Tive um dia o sonho de ser poeta.

Não posso, não quero, não vou esconder que
Tive um dia o sonho de ser poeta.

Poeta profissional como na verdade nenhum poeta é.

Sim, acreditei até que podia viver dos versos,
Como só um parvo de dezoito anos pode religiosamente estar convicto
Seja do que for.

Dactilografava-os para entregar a qualquer editora
Que nunca os recebeu.

Escrevia-os a pensar no aplauso que iam receber
Na plateia de ninguém.

É verdade.
Não posso, não quero, não vou esconder
Isso.

Entretanto, aconteceram coisas no correr da existência
Que destituíram a ambição claro, mas

Aos quarenta anos ainda tinha a pretensão
De um dia vender livros
Para pagar as rendas.

Pode parecer parvo e é completamente parvo
Mas durante muitos anos pensei que em última análise
Seriam os versos a minha inventada
Solução para a falência.

É verdade.
Não posso, não quero, não vou esconder
Isso.

Hoje, que nem tenho rendas para pagar,
Já não escrevo versos.

Já não tenho ambições para além
De morrer no sono.

Fui pacificado com a ideia
De nunca ter sido o poeta profissional,
que ninguém é.

Nada como a vida
Para que a vida faça sentido.